Por Miguel Krigsner
Fundador e Presidente do Conselho de administração do Grupo Boticário
Já vivemos outros momentos desafiadores do ponto de vista econômico há não muito tempo atrás. Foi um período difícil, mas que também nos ensinou muito e, acredito eu, que muito nos preparou para lidar com a crise atual com mais confiança e calma.
Em 1987, o Brasil atravessava uma forte crise inflacionária.Eu tive muito medo de quebrar de verdade. O país estava em dívida, as vendas caíram 80% e eu devia para os meus principais fornecedores. Mas nem por isso pensei em desistir. Minha estratégia foi o diálogo. Não há nada mais poderoso para clarear as mentes e encontrar uma solução conjunta do que uma boa e sincera conversa. Chamei os meus principais fornecedores na época. Eu disse: “é o seguinte, eu devo, não vou negar que eu devo, mas não tenho condições de pagar vocês agora. E, se vocês me cortarem o abastecimento, eu vou precisar parar com o meu negócio”. A resposta deles foi unânime: “do que é que você precisa?”. Era uma questão de sobrevivência. Mas como eu nunca havia pisado na bola com nenhum deles, sabia que era merecedor de seus votos de confiança. Isso porque eu sempre levei ao pé da letra o que meu pai me dizia: você venda as tuas calças, mas não fique devendo para ninguém. Nunca!”
CONSELHOS PARA QUEM NÃO PENSA EM DESISTIR
Se você deseja construir e sobreviver em um mercado instável, construa relações harmônicas e de confiança. Essa construção é um dos fatores que faz toda diferença para o Grupo Boticário estar onde está hoje, ocupando o 4º lugar no ranking internacional de reputação das 100 empresas no Brasil, segundo estudo divulgado pela Merco – Monitor Empresarial de Reputação Corporativa, neste mês de abril. E é assim que continuaremos trabalhando, no coletivo, com boa vontade, na camaradagem e na confiança.
Gostaria também de reforçar algumas características que eu acredito serem indispensáveis para um empreendedor ou empreendedora conseguir superar bem uma crise: honestidade, humildade, flexibilidade e coragem. E notem que a palavra coragem vem da raiz latina cor, que significa “coração”. Portanto, não basta ser só racional, é preciso também colocar o coração no jogo e escutar o que ele tem a dizer. A mim ele dizia: “não desista dos seus sonhos, tudo isso também vai passar”.
E por falar em ouvir, outra característica que muito me ajudou a atravessar tempos difíceis é a de ser um bom ouvinte. Saber ouvir é crucial para não sair por aí tomando os pés pelas mãos. E digo mais, é preciso saber ouvir respeitando o que o outro está te falando e sentindo, sem cortar as conversas e querer terminar o raciocínio do outro. Esse respeito pelo outro e pela mensagem que ele quer passar cria uma proximidade sem explicações, parece até mágica. Quando nos permitimos este tipo de escuta, nos tornamos observadores do mundo e passamos a agir nele a partir de uma consciência maior sobre nossas escolhas.
Eu também sempre achei – e acho – que a proximidade com as pessoas faz com que você tenha, efetivamente, uma energia circulando que é super necessária para criar um ambiente próspero e abundante em oportunidades e escolhas. Afinal, a vida é muito mais do que comprar e vender. A vida é feita de relações e, a medida que nossas vidas se entrelaçam, as pessoas vão agregando também em nossos negócios e ideias, como uma corrente do bem. Tudo isso só vai criando um amálgama, que é fundamental para a construção de redes de confiança e tão essencial para os tempos atuais.