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Cosmetic Innovation - Know More. Create More.Ciência e TecnologiaLicuri vira ingrediente de cosméticos e aumenta renda de famílias na Bahia

Licuri vira ingrediente de cosméticos e aumenta renda de famílias na Bahia

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Coletado por mulheres, coquinho da Caatinga vem garantindo, durante gerações, a sobrevivência de sertanejos

“Eu sou eu, e licuri é coco pequeno”, costumam dizer os baianos quando querem deixar claro que “se garantem” e podem resolver qualquer problema. O licuri (Syagrus coronata), também conhecido como ouricuri, é o nome do fruto de uma palmeira endêmica da Caatinga brasileira, um coquinho de grande valor proteico usado na cozinha do sertão.

Desprezado pela alta gastronomia, o licuri vem garantindo, durante gerações, a sobrevivência de muitas famílias sertanejas, que coletam o coquinho para consumo próprio e para vendê-lo em feiras do interior – a coleta geralmente é feita por mulheres, que saem a campo logo de manhã, munidas de foice, gancho de madeira e cestos.

O licuri e as catadoras têm pontos em comum: são fortes e resistentes por fora, mas doces e versáteis por dentro. Da amêndoa, são feitos leite, cocada, farofa, licor, sabão e, mais recentemente, finos cosméticos.

A palha do coqueiro é matéria-prima de esteiras, cestos e chapéus. Alguns anos atrás, a realidade das catadoras começou a mudar para melhor com a descoberta, pela fábrica L’Occitane au Brésil, de que a amêndoa do licuri é um ingrediente valioso na fabricação de óleos de banho e cremes hidratantes.

“O licuri já era usado para fabricar sabão, mas as empresas daqui pagam muito pouco, cerca de R$ 0,40 por quilo. Hoje, vendemos para a cooperativa por R$ 10 o quilo. Depois de beneficiado, o coquinho chega a R$ 30”, conta Josenaide Alvez, de 59 anos, que foi a primeira presidente da Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina (Coopes), na Bahia.

“Antigamente, o licuri era vendido para um atravessador por um valor insignificante. Hoje, levamos o coquinho direto para a Coopes e recebemos um preço mais justo. Também precisamos entregar um produto de qualidade, o que leva um pouco mais de tempo, mas vale muito mais a pena”, reforça Girlene Ramal, de 28 anos, que faz parte da terceira geração de catadoras de licuri do município de Quixabeira, na região noroeste do Estado.

Como quase todas as catadoras, Girlene aprendeu de pequena, com a mãe, Marilene Bonfim, de 58, a cortar as pencas de coco e depois quebrar o fruto na pedra. Marilena também foi iniciada no ofício pela mãe dela, Beatriz Hilária Bonfim, de 87 anos, que ainda hoje participa da coleta dos frutos, mas é poupada do trabalho de quebrá-los.

Além de cortar as pencas, as catadoras aproveitam os frutos caídos no chão que não tenham sido comidos pelo gado e estejam em boas condições. Girlene, Marilene e Beatriz são algumas das 120 mulheres filiadas à Coopes, fundada em 2005 por agricultores familiares.

Além dos bois, vários animais presentes na Caatinga consomem o licuri – entre eles a deslumbrante arara-azul-de-lear, ameaçada de extinção. Justamente para proteger essa espécie rara de ave é que o corte do licurizeiro passou a ser proibido por lei (13.908/2018), juntamente com os pés de ariri e umbu, considerados fundamentais para o patrimônio biocultural da Caatinga.

Palmeira majestosa, o licurizeiro pode alcançar 12 metros de altura, com folhas enrodilhadas em forma de coroa. Os cachos chegam a produzir mais de 1.000 frutos por ano, de aproximadamente 2 centímetros cada.

Para o mundo

Embora nunca tenha sido catadora de licuri, Josenaide Alvez conta que batalhou pela criação da cooperativa por não se conformar com o fato de o produto ser tão pouco valorizado. “Comecei a fazer receitas com o coquinho e oferecer para visitantes da Escola Família Agrícola de Quixabeira. As pessoas gostavam e começavam a pedir para comprar”, lembra.

Nessas experiências, acabou levando o fruto para ser conhecido em feiras nacionais e internacionais. “Em 1997, levamos o coquinho a um evento de gastronomia em Turim, na Itália, e vimos como os italianos valorizam os produtos regionais. Aquilo nos inspirou e começamos a vender as receitas de licuri nas feiras de produtos orgânicos”, explica Josenaide, que dá consultorias e treinamentos em comunidades interessadas no processamento de produtos à base de licuri.

Nesse trabalho de divulgação do licuri, o fruto acabou chamando a atenção da empresa L’Occitane au Brésil, que se interessou não só pelas propriedades do óleo de licuri, mas também pela história das mulheres que o coletavam.

A coordenadora de biodiversidade da L’Occitane au Brésil, Simone Foss, conta que, logo em sua primeira visita a Quixabeira, em 2015, ficou impressionada com a organização das catadoras tanto no trabalho como na defesa dos licurizais. “A identidade cultural nesses grupos de mulheres é muito forte”, afirma. “Há uma série de cantigas, receitas e práticas coletivas em torno do licuri que fortalecem a vivência comunitária e a conservação dos licurizais.”

A marca francesa lançou, em 2018, sua linha de produtos à base de licuri. “O óleo de licuri é rico em ácido láurico, que tem uma atuação poderosa na hidratação e na reparação da pele”, destaca Simone. O fruto coletado pelas mulheres é transformado em óleo na agroindústria da cooperativa e, em seguida, beneficiado em outro fornecedor antes de ser entregue à L’Occitane au Brésil.

A partir dessa primeira visita, a empresa providenciou as autorizações legais para uso industrial do produto e iniciou as pesquisas para o aproveitamento do óleo de licuri. “Também tivemos de estruturar o fornecimento junto à cadeia produtiva, identificando os potenciais da coleta sustentável, os grupos que fazem parte do processo e as técnicas das catadoras. Por fim, definimos em conjunto as práticas de manejo sustentável”, diz Simone.

O uso do licuri em cosméticos – e a consequente valorização do produto – era tudo que as catadoras precisavam para deixar de depender financeiramente dos maridos e ter seu trabalho reconhecido socialmente. “É muito bom saber que o licuri, coletado pelas mulheres aqui do Nordeste, está indo além das nossas fronteiras e conquistando o mundo”, diz Girlene, sem esconder o orgulho.

No futuro, quem sabe, a expressão “catar coquinho” – que não só os baianos, mas os brasileiros em geral usam com sentido pejorativo, qualificando um trabalho sem importância – pode até mudar completamente de significado.

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Globo Rural 19.07.2020

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