O pior cenário é a incerteza”, diz presidente do grupo Boticário
Artur Grynbaum completa neste ano uma década à frente do Grupo Boticário, maior rede de franquias do Brasil e número um no setor nacional de perfumaria. Sob seu comando, a companhia enfrentou dois anos de recessão, se reestruturou, cresceu e fez aquisições. A mais recente foi a Vult, que vai permitir ganhar capilaridade por meio da presença em 35 mil pontos de venda no Brasil.
Além disso, o executivo espera criar novas possibilidades. “Conseguiremos acessar públicos de diferentes perfis e níveis de renda em canais variados”, diz. Além da Vult, o grupo atua com outras cinco bandeiras, O Boticário, Eudora, Quem Disse, Berenice?, The Beauty Box e Multi B, que distribui marcas internacionais. No ano passado, apesar do comportamento tímido da economia, a companhia cresceu 7,5% em relação a 2016 e chegou a R$ 12,3 bilhões de faturamento. Enquanto isso, segundo a Abihpec, o segmento teve aumento médio de vendas da ordem de 2,75%.
Fundado há 41 anos, O Boticário é o principal negócio da companhia. Atualmente, são 3.762 lojas. Há quem diga que a possibilidade de expansão da bandeira seja difícil, já que pode levar à canibalização entre pontos de venda muito próximos. Segundo Grynbaum, existem alternativas. Para o executivo, ainda há muito espaço para crescer, seja por meio de reposicionamento de lojas, revitalização da marca e, principalmente, por meio de formatos que ofereçam experiências novas aos clientes. O mais recente movimento nessa direção foi a abertura de um novo formato de ponto de venda, inspirado em uma botica. Com conteúdo interativo, a empresa quer se aproximar dos consumidores. “Neste novo formato, o caixa deixa de ter um local fixo e as consultoras passam a centralizar o contato com a consumidora durante toda a experiência de compra”, explica o presidente. Apesar do aumento das vendas, o executivo mostra estar atento a um problema antigo do setor, a carga tributária, classificada por ele de “escorchante”. Mas ele também aponta outros problemas cotidianos, como o custo de produção e a segurança. Em ano de eleição, Grynbaum teme que o cenário de incertezas se mantenha. “Um plano de governo instalado, com um projeto para o país, democraticamente escolhido, é bom para todo mundo. É isso que esperamos”, diz o presidente do grupo.
Como a empresa sentiu os anos de recessão econômica e como se adequou?
Vale recapitular a transformação da nossa empresa, iniciada em 2010. Durante 33 anos, tivemos uma configuração de marca única e, com a criação do Grupo Boticário, iniciamos uma nova estratégia com atuação multinegócios e multicanal. A partir dessa estratégia, vislumbramos oportunidades mesmo em períodos mais instáveis da economia, o que nos permitiu crescer nos últimos anos. Por exemplo, em 2017, abrimos 61 lojas e tivemos receita de R$ 12,3 bilhões, com crescimento de 7,5% em relação a 2016, sendo mais do que o dobro do mercado como um todo, que avançou 2,75%.
Qual é a configuração do grupo?
Hoje, temos cinco marcas – O Boticário, Eudora, Quem Disse, Berenice?, The Beauty Box e Vult, além da Multi B, que distribui marcas internacionais como Australian Gold, Bio-Oil e Revlon em canais não proprietários, como farmácias e lojas multimarcas. Nossas marcas oferecem portfólio bastante amplo e democrático de produtos e de preços, de categorias com preços de entrada até mais premium, atendendo a todos os perfis de consumidores.
Recentemente, o Cade aprovou a compra da Vult pelo O Boticário. Quais são os planos a partir de agora?
A aquisição da Vult está alinhada à nossa estratégia multimarca e multicanal e vem para complementar nosso portfólio. A chegada da marca ao grupo aumenta ainda mais nosso alcance no mercado brasileiro de beleza, principalmente em novos canais de distribuição, já que está presente em 35 mil pontos de venda espalhados pelo Brasil, entre farmácias e lojas multimarcas. Assim, conseguimos acessar públicos de diferentes perfis e níveis de renda em canais variados, sempre com o objetivo de oferecer a melhor experiência de consumo aos clientes.
A expansão da marca O Boticário pelo sistema de franchising está esgotada ou ainda há espaço para crescer?
Com O Boticário, fomos pioneiros em implementar o sistema de franquias no Brasil, na década de 1980. Hoje, o franchising é um setor qualificado, profissionalizado e que continua em expansão. Temos quase 3.800 lojas O Boticário em todas as regiões brasileiras, sendo 90% delas operadas por franqueados. Somos a maior rede de franquias do país. Acredito que ainda há espaço para crescer, com relocalização e revitalização da nossa rede, por meio de novos formatos que oferecem experiências diferenciadas aos consumidores.
Como as novas tecnologias, como inteligência artificial, têm sido incluídas tanto na produção quanto nos pontos de venda?
Nosso objetivo enquanto empresa é facilitar a jornada dos consumidores, oferecendo o que procuram, como querem e onde querem. Para fazer isso, é fundamental conhecê-los bem, entender os comportamentos, entender o que gera valor e utilizar essas informações para priorizar iniciativas. As novas tecnologias vêm para nos apoiar nesse processo, tanto na indústria, que chamamos de indústria 4.0, quanto no varejo. Hoje, conseguimos coletar dados sobre os nossos consumidores de variadas maneiras, como, por exemplo, por meio dos programas de fidelidade e do comportamento de compras.
Qual é o grande desafio para uma empresa com a presença que tem O Boticário? A logística ruim do país ainda é um entrave?
O Grupo Boticário tem mais de 4 mil pontos de venda físicos em 1.750 municípios brasileiros e alcança 100% do país por meio da venda direta e do e-commerce. A logística ainda é um entrave para todos os setores no país e no varejo não é diferente. Questões relacionadas à qualidade do serviço, custo e segurança fazem parte de nosso desafio diário. No entanto, a carga tributária (IPI e ICMS) é escorchante. Somos o segundo setor mais tributado no país, sendo que nossos produtos estão inseridos em 90% dos lares brasileiros e não podem ser considerados supérfluos, já que são itens essenciais na cesta de consumo. O setor de higiene pessoal e beleza emprega 6 milhões de pessoas e cria oportunidades de desenvolvimento, empreendedorismo e transformação social.
O senhor sentiu alguma alteração no dia a dia da empresa depois da aprovação da reforma trabalhista?
A reforma trabalhista nos dá uma liberdade maior para contratação de profissionais temporários e para adequação de jornadas, principalmente em períodos de movimento mais fortes, como datas comemorativas. Já a reforma da Previdência é fundamental para equilibrar as contas e criar oportunidades de investimento, educação, desenvolvimento, geração de emprego e renda. A cada adiamento, o equilíbrio fica mais distante. E, infelizmente, com o deficit anual aumentando a cada exercício, neste momento não é possível pensar em novos ciclos de desenvolvimento.
Como a empresa preparou seu plano de negócios para 2018, ano de eleição, e 2019?
Acreditamos na retomada lenta do crescimento do varejo e na recuperação do poder de compra do brasileiro daqui pra frente. Ainda para este ano, podemos esperar uma retomada, mas após as eleições, no quarto trimestre. Para 2018 e 2019, a perspectiva continua positiva, embora estejamos analisando ainda todos os cenários com muita cautela, visto que os indicadores macroeconômicos, apesar de terem melhorado, estão voláteis. Há ainda a questão das eleições, que terão impacto, claro. Para isso, nossos últimos movimentos têm sido na busca de facilitar a vida dos consumidores, ampliando as alternativas de canais e mantendo a diversidade no portfólio. O cenário mais temido pós-eleições é aquele em que as incertezas sejam mantidas. Somos otimistas por natureza. Um plano de governo instalado, com um projeto para o país, democraticamente escolhido, é bom para todo mundo. É isso que esperamos.
Ainda é possível dizer que o setor de beleza é dos menos impactados por crises?
O mercado de beleza está inserido em um contexto desafiador, mas foi impactado em menor escala, pois é um setor resiliente, muito dependente da renda disponível. As pessoas, mesmo na crise, buscam manter sua autoestima. Nesse cenário, marcas de qualidade e de confiança buscam estar juntas do consumidor afetado.
A questão ambiental sempre foi presente na companhia, mas os concorrentes têm aumentado os esforços nessa direção. Por exemplo, abandonando os testes em animais. Como esse assunto é tratado no grupo?
Temos a questão ambiental no nosso DNA e tratamos a sustentabilidade como modelo de negócio, inserido em todas as áreas da organização. Além da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, de conservação ambiental, mantida por nós desde 1990, somos protagonistas no estudo e desenvolvimento de métodos alternativos no Brasil. Excluímos o uso de animais nos testes de cosméticos há 18 anos, muito antes de o mercado falar desse tema. Fomos os primeiros a desenvolver a tecnologia de pele 3D no Brasil e a produzi-la localmente. Além disso, também fomos pioneiros ao utilizar a tecnologia organs on a chip, que simula o comportamento de órgãos humanos, identificando possíveis reações alérgicas causadas por produtos cosméticos a partir da pele, o que elimina testes em humanos.
Quem é Artur Grynbaum
Formado em administração e economia, com pós-graduação em finanças, Artur Grynbaum, 49 anos, ingressou no Boticário em 1986, como assistente financeiro. Passou pelos cargos de assessor de diretoria, diretor financeiro, diretor comercial e vice-presidente. Em 2008, assumiu a presidência da companhia.
Fonte: Correio Braziliense