Conhecimento popular e tecnologia são aliados no fortalecimento da indústria dos cosméticos no Pará
Ter a pele macia e cheirosa, os cabelos fortes e bonitos é o sonho de milhares de pessoas. Mulheres e homens de todo mundo procuram cada vez mais a indústria dos cosméticos para alcançar essa meta.
No Pará, conhecimentos tecnológico e boas práticas desde o pequeno produtor têm mostrado que ativos da Amazônia são grandes aliados na busca pela beleza e bem-estar e que este mercado está sendo cada vez mais valorizado, inclusive internacionalmente.
Povos tradicionais da Amazônia usam há séculos o conhecimento popular sobre os ativos da floresta como remédios e também para o bem-estar e beleza. No Ver-o-Peso, maior feira ao ar livre da América Latina, há uma área exclusiva para venda de ervas e produtos naturais que prometem milagres.
A erveira Beth Cheirosinha lista alguns dos ativos e seus benefícios. “Tem o óleo do piqui, que passa direto na pele para tirar manchas, também é cicatrizante. A banha da tartaruga, que trata as manchas, rugas e espinhas. O óleo de coco, que serve para queda de cabelo e o ‘amor crescido’, uma plantinha cicatrizante para acabar com a queda de cabelo”, explica Beth, que traz o conhecimento de família.
O conhecimento popular é rico e atravessa gerações, mas muitos cosméticos vendidos de forma artesanal não passam pelos estudos necessários em sua formulação para garantir a segurança do consumidor. A andiroba, por exemplo, tem efeito anti-inflamatório, mas isso não significa que o sabonete de andiroba terá o mesmo efeito.
Conhecimento técnico e comércio
Para orientar pequenos produtores paraenses de óleos e essências da floresta, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) tem desde 2017 o Projeto Desenvolvimento da Cadeia Produtiva, Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmético. O foco é o fortalecimento do setor.
“Trabalhamos com pequenos produtores que extraem os insumos da floresta. Atendemos comunidades, pequenas indústrias paraenses para desenvolver o setor de forma estratégica. Algumas cooperativas fazem extração dos óleos, há comunidades da região que fornecem para grandes representantes internacionais”, explica Lega Magno, gestora da agência de negócios metropolitana do Sebrae Pará.
Leda explica que, quanto mais conhecimentos técnicos esse produtor tiver, melhor será a qualidade dele e a credibilidade do comércio.
“O mercado é exigente, competitivo, não dá para o empreendedor andar dissociado das informações de mercado, precisa se atualizar, se envolver na cadeia produtiva. Atendemos desde o pequeno produtor para que ele se organize, agregue valor, saiba negociar”, ressalta Leda.
Segundo o Sebrae, nos últimos anos houve uma mudança de comportamento do consumidor, que tem buscado produtos mais especializados. Produtos regionalizados, que recebem essências regionais como patchouli e priprioca atendem também necessidade de consumo internacional.
“Buscamos implantar uma visão empreendedora nas comunidades e pequenas indústrias paraenses, atendendo ao mercado internacional e isso tem fortalecido comunidades produtoras”, explica Leda.
Atualmente, o Sebrae atua junto a 120 produtores de sete comunidades nos municípios de Bragança, Salvaterra, Soure, Santa Luzia do Pará, Boa Vista do Acará e Igarapé-Miri. As empresas de cosméticos legalmente atendidas pelo Sebrae são 14, mas existem também aquelas que não estão regulamentadas.
As expectativas de crescimento do setor são grandes, segundo o Sebrae, que acredita num mercado mais aberto. Um bom exemplo citado pela gerente Leda é uma cooperativa de Bragança que está lançando a colônia São Benedito, com um projeto de identidade visual e regulamentação, que chega este mês de novembro no mercado.
“É um segmento que cresce pela própria organização. O arranjo produtivo envolve várias instituições, discutindo alternativas para potencializar. Hoje tem alinhado a mudança de comportamento do consumidor, que não abre mão da segurança, e as discussões técnicas. A construção dessa rede tem fortalecido o setor”, explica Leda Magno.
Desafios da indústria
De acordo com o Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos, Farmacêuticos e de Perfumaria (Sinquifarma), no Pará existem várias indústrias de cosméticos como perfumaria, esmaltes, sabonetes, de produção de matéria prima, sendo a maioria micro e pequenas empresas. Mas, problemas logísticos e burocráticos ainda impedem a expansão desses negócios locais.
“Quando a gente fala de mercado, o Pará tem um consumo muito grande, mas 98% de produtos cosméticos e perfumaria vêm de fora. É um segmento que precisa ter infraestrutura, licenças ambientais e de saúde que tornam difícil competir”, explica Fátima Chamma, vice-presidente do Sinquifarma.
Uma das maiores barreiras para a indústria local é a logística. Matérias como vidro – usado para embalagem dos produtos – e álcool – para perfumes – vem da região sudeste via rodoviária, o que torna o produto final mais caro, além da demora para chegar. “Tem um custo logístico caro, a distância faz com que o frete seja pesado”, conta a representante do sindicado.
Para fortalecer o setor, não apenas a indústria, mas a cadeia produtiva, extrativismo, comunidades ligadas a matéria prima, um movimento chamado APL Cosméticos, gerido pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) está atuando em favor do mercado local.
“Temos uma floresta e uma forma de utilização desses insumos sustentável, com a floresta em pé, temos pesquisas a respeito das matérias. Nosso diferencial é inovação e tecnologia, agregamos valor ao nosso produto e vamos investir no mercado internacional”, ressalta Fátima, que faz parte do comitê da APL.
Tecnologia a serviço da beleza
O segmento dos cosméticos é tema de estudos científicos. O grupo de pesquisa de Plantas Aromáticas e Oleaginosas da Amazônia da UFPA possui um inventário das ervas cheirosas e plantas medicinais com diversos potenciais, dentre estes o cosmético. Essas espécies estão catalogadas pelos pesquisadores nesse inventário, que traz dados sobre rendimento em óleo essencial, composição química e distribuição geográfica, para apontar a viabilidade da exploração daquele ativo.
“Nesse inventário a gente tem coletado espécies aromáticas, que apresentam cheiro característico da região, como erva cidreira, pimenta longa, pimenta de macaco, pataqueira, entre outras. A partir daí fazemos a extração e os estudos de prospecção dos óleos essenciais para avaliar as atividades biológicas, que vão desde aplicação agronômicas a cosméticas”, explica a doutora em química orgânica e diretora da Faculdade de Biotecnologia da UFPA, professora Joyce Kelly do Rosário da Silva.
Todos os ativos passam por testes, que podem ser associados ao potencial cosméticos como a triagem da atividade antioxidante. “Hoje em dia existe muito o termo cosmecêuticos – o produto não é só cosmético, atuando também como farmáco [medicamento]. Podemos citar, principalmente, os dermocosméticos, que são para tratamento da pele”, explica a professora.
“Esses óleos, para incorporar um produto, têm que passar por etapas. Há a etapa de melhor concentração, melhor mistura de ingredientes, para que o cosmético não tenha a validade curta e libere o princípio ativo. E a etapa de formulação, em que descobrimos a melhor formulação para essa substância seja aplicado nos consumidores, a qual é papel de profissionais da farmacotécnica”, explica.
A doutora, coordena o projeto de pesquisa “Desenvolvimento de Biocosméticos a partir de Óleos Essenciais da Amazônia” conta que os estudos sobre essa área são recentes. Ela faz pesquisas com o enfoque em cosméticos desde 2014 e já registrou vários ativos com tais propriedades.”Existe uma tendência mundial de mercado por produtos anti-idade que temos observado nos ativos. Temos a patente do ‘timol’, uma substância presente no óleo de uma planta chamada ‘Salva do Marajó’. Além de ter atividades antioxidante, possui a propriedade de inibir a enzima tirosinase, que está envolvida na síntese de melanina”, afirma a pesquisadora.
Apesar do ativo ainda estar em fase de testes clínicos, a pesquisadora adianta uma qualidade do produto: “Ele é potencial clareador natural de pele e não apresenta efeitos colaterais como os outros com o uso contínuo”.
Nas grandes empresas, a maioria dos cosméticos têm as formulações desenvolvidas nos próprios setores de inovação, em que os pesquisadores geralmente já usam uma fórmula fechada. Mas no caso dos ativos da Amazônia descobertos pela UFPA em parceria com a UNB (Universidade de Brasília), o objetivo é atrair empresas interessadas nas formulações patenteadas pelos pesquisadores.
Tratamento natural
Empresários que investem no ramo dos cosméticos com insumos naturais garantem que a satisfação do cliente é garantida. Atuando há 20 anos no mercado, a proprietária de um salão de beleza em Belém, Manuela Barbosa, inovou com um tratamento capilar que promete recuperar e renovar os fios.
“A ideia de criar o ‘Ritu Natural’ surgiu do meu contato com produtos naturais, que recuperaram e renovaram o meu cabelo. A partir daí, mergulhei de cabeça no universo dos produtos naturais da Amazônia e em parceira técnica, desenvolvi tratamentos 100% naturais que devolvem a saúde do cabelo, do couro cabeludo, do fio até as pontas”, explica a empresária.
O tratamento consiste em um protocolo específico feito com um óleo matriz que tem em sua composição uma elevada quantidade de proteínas; ômega 3,6 e 9; vitaminas A, C, E e vitaminas do complexo B; zinco; e ácidos graxos. Há também uma máscara matriz, utilizada em alguns tratamentos, que é rica em ácidos graxos, vitaminas A, B1, B2 e C, óleos naturais e minerais.
“Pode-se considerar uma inovação no ramo da beleza, mas o movimento de resgate da essência humana é real e muito forte”, explica Manuela. “Quem se permitiu fazer o protocolo inicial, que são uma média de 4 sessões, está maravilhada com o resultado, mas a resistência existe, e o nosso trabalho e missão é ir escalando”, pontua.
Além do tratamento, a empresária já disponibiliza no salão uma linha completa de produtos naturais para usar nos cabelos em casa. E essa é a tendência , que cada vez mais consumidores locais valorizem os benefícios dos ativos naturais e possam alavancar o comércio local.
Fonte: G1 30.10.19