O futuro do mercado de beleza: novos hábitos trazidos pela pandemia devem continuar em alta
Entre as maiores tendências do universo de beauté estão o autocuidado, rituais em casa, clean beauty e experimentação virtual
O novo coronavírus deixou o mercado mundial de ponta-cabeça. Muita incerteza passou a tomar conta dos pequenos empreendedores e até das grandes empresas. Mas, passado o susto inicial, parece que o tombo não vai ser tão feio – ao menos no mundo da beleza.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a perspectiva é que o mercado cresça 1,1% em 2020 (em relação a 2019). Pouco, se comparado com a projeção inicial feita antes da pandemia: aumento de 5,1%. Mas relevante para o momento, o PIB brasileiro, por exemplo, deve encolher 5,7%, de acordo com o último boletim Focus, do Banco Central.
“Diante das dificuldades enfrentadas, o simples fato de estarmos no azul é positivo”, diz João Carlos Basilio, presidente executivo da ABIHPEC. Desde de maio, está havendo a retomada do setor. Parte desse movimento pode ser creditado à “cesta covid-19”, que inclui álcool gel e sabonete líquido, produtos de primeiríssima necessidade, mas a paixão dos brasileiros pela beleza – o Brasil é o 4º maior mercado do mundo – também deve ser levada em conta.
Mesmo apaixonados por beleza, os consumidores são movidos agora por novos hábitos de consumo, que devem continuar mesmo depois que a pandemia acabar – o que ninguém sabe quando vai acontecer. É certo, porém, que o mundo não será o mesmo. “A pandemia trouxe uma reflexão para todos, deixando os consumidores mais conscientes. O propósito e as ações das marcas, a garantia de origem na produção e temas relacionados à sustentabilidade passam a ter ainda mais relevância”, fala Sabrina Zanker, diretora de marketing da L’Oréal Luxe, dona das marcas Lancôme, Giorgio Armani, Yves Saint Laurent Beauté e Urban Decay.
Aprendemos a ficar em casa, o que nos trouxe um senso de cocconing, do inglês cocoon, um ninho que cobre e protege dos perigos existentes nas ruas. “Muitos consumidores estarão mais atentos ao que é essencial para si e sua família, e estamos observando hábitos mais profundos de autocuidado em casa e ritualização da beleza”, reforça Fernanda Rol, diretora de marca da Natura.
SKINCARE, o kit da quarentena
O isolamento tem até um grande hit de beleza, o skincare. Mais do que conservar o viço e a saúde da pele, o ato de cuidar de nós mesmos traz conforto e senso de rotina, importantes para manter a saúde mental em tempos tão desafiadores. “As pessoas estão em casa, têm mais tempo e querem fazer seus rituais e experimentar produtos que as ajudem a passar por esse momento”, analisa Sabrina.
Esse comportamento impacta nas vendas dos itens de skincare. “A categoria de cuidados com a pele está apresentando um enorme crescimento, com destaque para os antissinais, produtos de limpeza de rosto e hidratantes”, reforça Maria Laura Santos Tarnow, diretora-geral da Estée Lauder Companies, que reúne marcas de luxo como Clinique, M·A·C, La Mer, Aveda e Jo Malone London.
A ABIHPEC traz a tendência em números: aumento de 92,8% em volume de vendas das máscaras faciais, 14,7% dos cosméticos antirrugas/sinais/idade e 8,3% dos hidratantes faciais, comparando os meses de janeiro a maio de 2020 com o mesmo período em 2019.
Clean Beauty veio para ficar
Há também um conscientização com a procedência dos produtos e suas formulações. “O consumidor está mais preocupado com os componentes e elementos das fórmulas. Ele quer ter a certeza de que estão investindo em produtos de acordo com os preceitos da beleza limpa, que propõe uma produção ética e consciente”, diz Andrea Orcioli, CEO da Sephora Brasil, rede de varejo cosmético do grupo LVMH, o maior conglomerado de marcas de luxo do mundo.
Conceito que já vinha crescendo por aqui, a beleza limpa, ou clean beauty, se consolidou de vez na pandemia. “Os brasileiros já estavam atentos ao que consomem, de quem compram, o que está por trás de uma marca – cadeia de produção, certificação, matérias-primas –, e esse momento trouxe um olhar ainda mais cauteloso para a saúde”, acrescenta Patrícia Camargo, cofundadora da CARE Natural Beauty, marca brasileira selecionada pelo programa mundial de aceleração de startups de beleza da Sephora em 2019. A opção pela beleza que faz bem para a pele e não agride o planeta fez com que Care crescesse 155% em relação primeiro semestre de 2019 – e o best-seller foi o sérum iluminador com probiótico SkinDrops GLOW, de skincare.
Do nicho para a agenda das grandes indústrias químicas de insumos: o caminho percorrido pela clean beauty agregou performance e durabilidade aos ingredientes vindos de plantas, pontos importantes para o consumidor ainda mais preocupado com segurança em tempos de coronavírus. “Desenvolvemos soluções e tecnologias que atendem à procura do mercado, como ingredientes naturais e uma produção que colabore para a preservação do meio ambiente”, confirma Vinicius Bim, especialista em inovação do negócio de Personal Care da BASF no Brasil.
Não foi à toa que, ao entrar no ramo da beleza em plena pandemia por meio do e-commerce Amaro Collective, a Amaro, empresa de moda, apostou na clean beauty com um portfólio de marcas já consolidadas, como Biossance, Feito Brasil, Beauts, Almanati, Simple Organic e Quintal. “A beleza e o wellness já estavam nos planos, mas a pandemia acelerou o processo”, conta Juliana Hassegawa, diretora de planejamento e merchandising da Amaro. A ideia é oferecer novas possibilidades para as consumidoras que estão ficando mais tempo em casa. “O projeto foi tão bem sucedido que será mantido mesmo quando o cenário de saúde estiver normalizado”, afirma Juliana.
Ritual de autocuidado
Ritual é o termo que melhor define a experiência de autocuidado dos quarenteners, de acordo com a WGSN, empresa de tendências, que fez uma parceria com o Google, dono da ferramenta Trends (que mostra os termos mais populares de busca), para entender as perspectivas de beleza durante a pandemia. Ritual está na rotina de skincare e também no clima “spa em casa”, que transformou o banheiro em um espaço para relaxar e nutrir corpo e espírito.
Aromas, essências e produtos naturais se tornam aliados para enfrentar rotinas cheias de ansiedade e incertezas. “Máscara facial com ativo calmante, banhos relaxantes com ervas, que chamam o sono. O conceito beleza de dentro para fora nunca fez tanto sentido”, pontua Bruna Ortega, expert de beleza do WGSN. “As consumidoras transitam pelos produtos que oferecem resultados de salão e que trazem benefícios para aliviar estados emocionais decorrentes da pandemia”, reforça Lívia Sitta, especialista de insights para bens de consumo do Google Brasil.
Na onda do banho para o corpo e alma, a doTerra, empresa líder em óleos essenciais no mundo, acaba de lançar sua primeira linha de produtos para o corpo, a Spa em Casa, com ingredientes e aromas 100% naturais. Rituais com pegada natural também são feitos para cuidar dos cabelos. “Cresceu a procura por produtos alta eficácia, mas de origem botânica, como máscaras capilares, óleos e primers. Entendemos que há uma tendência de buscar a saúde dos cabelos”, reforça a diretora da Estée Lauder.
Os gadgets que otimizam a rotina de cuidados em casa – escovas de limpeza facial, depiladores, massageadores – ganharam importância também. O DYI ou “faça você mesmo” representa uma mudança importante no universo dos brasileiros acostumados com serviços de beleza de boa qualidade, independentemente da classe social. “Passar mais tempo em casa despertou nas pessoas independência e autonomia, atributos que antes não eram tão explorados. O autocuidado é independente por natureza, ele nos liberta”, acredita a CEO da Sephora Brasil. Mas será que esses rituais vão continuar em pauta? “O confinamento alavancou o comportamento DIY e essa tendência não deve ir embora de uma hora para outra”, acredita a diretora da L’Oréal Luxe. Bruna Ortega, da WGSN, concorda: “Algumas mudanças já estavam no radar, elas foram apenas aceleradas pela pandemia, como home office, ensino à distância, cozinhar em casa”.
Maquiagem de volta
Depois de dois, três meses em relativa hibernação, a maquiagem ensaia um come back. Entre abril e maio, o Google Brasil registrou um aumento na procura de itens como: batom (+21%), base (+36%), corretivo (+47%) e rímel (+49%). “As pessoas não estão apenas trabalhando em casa online, mas também estão usando o mundo virtual para se conectarem com amigos e familiares. E querem aparecer bem durante as chamadas de vídeo online”, pontua Maria Laura Santos Tarnow, diretora da Estée Lauder. Além disso, a necessidade de usar máscaras de proteção contra a covid-19 faz com que os consumidores valorizem a expressão do olhar. “A categoria de olhos – máscaras de cílios, sombras, itens para sobrancelhas e corretivos – está apresentando crescimento”, afirma a executiva da Estée Lauder.
O foco no olhar pode ser pode ser traduzido em números: esses produtos registraram crescimento de 36,7% de janeiro a maio deste ano em relação ao mesmo período do anterior, de acordo com a ABIHPEC. Mas e o batom, escondido pelas máscaras, entraria em ostracismo? O item, tradicionalmente termômetro de vendas deste marcado – o chamado “índice batom” –, também está se saindo bem nessa crise: em maio de 2020 apresentou crescimento de 20% em relação ao mesmo mês do ano passado, também segundo a ABIHPEC. Afinal, em situações típicas da quarentena, como lives, happy hours virtuais e reuniões de trabalho, quem não lançou mão de um bom batom vermelho para dar um up no visual?
Perfumes para o fim do ano
Em momentos de turbulência, as pessoas têm um comportamento dicotômico entre buscar seus produtos favoritos, que trazem a sensação de estabilidade, e ao mesmo tempo procurar novidades quentes, que ajudam a mitigar a sensação de tempo perdido. A L’Oréal Luxe observa esse comportamento em relação aos perfumes. “A empresa aposta na aceleração dos best-sellers como a fragrância La Vie Est Belle da Lancôme, mas com grande contribuição de lançamentos como o Libre de Yves Saint de Laurent”, fala Sabrina Zanker.
As vendas de perfume começaram a subir a partir do Dia das Mães, até de maneira surpreendente, já que o item é associado à vida social. “As novidades da Natura, lançadas antes do confinamento, foram sucesso de vendas mês após mês”, confirma Fernanda Rol. A perfumaria é uma das maiores apostas para o fim do ano. “As fragrâncias e complementos corporais – shower, loção e hand cream – devem fazer sucesso no Natal, quando poderemos nos reunir com familiares”, acredita Débora Gentil, gerente de Brand, Communication & Training da The Body Shop.
A importância do online
Ninguém mais dúvida que o futuro da beleza está ligado ao digital. Foi o online que não deixou a peteca cair nos meses de maior confinamento. Analistas estimam que o e-commerce cresce, no Brasil, cerca de 43% ao mês desde o início das medidas de distanciamento. A quantia se refere ao mercado geral, mas na beleza – incluindo o segmento de luxo –, não foi diferente: “Os canais online da L’Oréal Luxe tiveram um crescimento recorde no período de confinamento e continuarão sendo uma grande prioridade para os próximos meses”, confirma Sabrina Zanker.
Mais do que vendas propriamente ditas, o online tem permitido uma comunicação mais estreita com os consumidores. “As ferramentas que possibilitam a experimentação digital de produtos (Virtual try on) também estão ganhando popularidade entre os consumidores. Os chats, vídeos e tutoriais online crescem bastante e definitivamente terão um papel de destaque no futuro”, reforça Maria Laura Santos Tarnow, diretora da Estée Lauder.
Um dia, a pandemia se acalmará, trazendo de volta a vida social, o que vai ter impacto no consumo de beleza. “Acredito que quando houver menos restrições a socialização, produtos atrelados a momentos de união e eventos sociais vão ser rapidamente consumidos”, prevê Andrea Orcioli, acrescentando: “Paletas de sombra coloridas, produtos com brilho, iluminadores, entre outros, vão suprir essa necessidade festiva que as pessoas tanto buscam”. Como já aconteceu depois de grandes crises – epidemia de gripe espanhola, Segunda Guerra Mundial – a privação dá lugar à euforia, ao glamour, à criatividade. Está no radar. A conferir.
Fonte: Vogue 06.11.2020