Coty busca reviravolta com marca premium e China
Há um ano no cargo, Sue Nabi é a quinta CEO do grupo de beleza e diz que colherá resultados diferentes de seus antecessores
Sue Y. Nabi, a quinta CEO da Coty desde 2015, está apostando que a solução para, enfim, consertar a fabricante de cosméticos assolada por dívidas e problemas pode estar em um batom da Gucci vendido on-line na China.
Após um ano no cargo, a veterana da indústria da beleza traçou um plano de crescimento alicerçado no segmento de cosméticos de “prestígio”, fabricados sob licença para marcas de luxo, e no aumento das vendas na China e da linha de produtos para pele, dois prósperos mercados nos quais a Coty há muito tem ficado para trás das rivais L’Oréal e Estée L
Os CEOs anteriores “não eram da indústria de beleza, portanto, deixaram passar coisas e cometeram muitos erros de execução”, disse Nabi ao “Financial Times”. “Meu trabalho é definir as prioridades nas quais precisamos colocar nosso dinheiro e energia.”
Apesar das diversas tentativas de recuperação, a Coty não contabiliza lucro líquido anual há cinco anos. Em contraste, antes da pandemia, as líderes do setor L’Oréal e Estée Lauder exibiram, por anos, fortes vendas e aumentos nos lucros, impulsionadas pela China e pelas linhas de cosméticos coloridos e de cuidados com a pele. As rivais encaminham-s
Quem tem muito a ganhar com Nabi é a JAB, a controladora da Coty que investe a riqueza da família alemã Reimann. Embora a Coty seja um de seus investimentos mais antigos, tem sido o ponto fraco em sua carteira, que inclui o grupo de bebidas Keurig Dr Pepper.
Endireitar a Coty é mais do que uma questão de orgulho para a JAB. A empresa precisa incrementar sua reputação, uma vez que não tem mais apenas a fortuna dos Reimann para alimentar suas aquisições, que totalizaram mais de US$ 50 bilhões em dez anos. Agora, tenta levantar US$ 5 bilhões para expandir-se na área de clínicas para animais de estimação,
A tarefa não será fácil. Wendy Nicholson, analista do Citigroup que há muito acompanha a Coty, disse que alguns investidores continuam “muito céticos”, uma vez que a empresa já teve várias tentativas de recuperação.
As mazelas da Coty decorrem principalmente da estratégia da JAB de expansão por aquisições financiadas por dívidas, para transformar o grupo, originalmente especialista em perfumes, em uma versão menor da L’Oréal, com presença mundial em todas as áreas da beleza. Em 2015, a JAB financiou a Coty para comprar as marcas de beleza da Procter & Gamble (P&G) por US$ 12,5 bilhões e dobrar a receita para US$ 9 bilhões.
A transação, porém, se mostrou complicada demais. A Coty não apenas ficou sobrecarregada com mais de US$ 7 bilhões em dívidas, mas sofreu com o processo de integração. Além disso, as marcas mais conhecidas da P&G, como CoverGirl e Max Factor, começaram a perder participação de mercado para startups mais badaladas.
Em 2019, a Coty contabilizou US$ 4 bilhões em baixas nos negócios da P&G. Ainda assim, continuou a gastar em aquisições.
Em 2020, sufocada pelo alto endividamento, a Coty, na prática, se desfez de uma grande parte do negócio com a P&G, ao vender uma participação de 60% nas operações de produtos profissionais para cabelos, incluindo as marcas Wella e Clairol, para o fundo de private equity KKR por US$ 2,5 bilhões.
A venda, somada ao impacto da pandemia, fez com que a receita anual da Coty no ano fiscal encerrado em junho, de US$ 4,6 bilhões, fosse basicamente a mesma de antes do negócio com a P&G.
O generoso pacote de remuneração de Nabi indica a avidez da JAB por sangue novo. Além do salário-base de € 3 milhões por ano, a CEO ganhou 30 milhões de ações que pode vender após três anos. O valor dessas ações, de US$ 108 milhões quando assumiu o cargo, está em cerca de US$ 280 milhões. Analistas receberam bem a indicação de Nabi, uma vez que seu uma vez que seus antecessores tinham experiência em bens de consumo, não em beleza.
A executiva de 53 anos passou mais de dez anos galgando degraus na L’Oréal, onde começou como representante de vendas e chegou a comandar marcas como Lancôme e L’Oréal Paris. Ela saiu da empresa em 2014, para lançar a Orveda, sua marca de produtos para a pele veganos, de alto padrão.
Nabi tem uma história pessoal incomum. Nascida em Argel, na Argélia, como Youcef Nabi, ela fez transição de gênero para ser chamada como Sue e se apresentar como mulher, há cerca de 15 anos, quando estava na L’Oréal.
Embora seja raro ver CEOs transgêneros em grandes empresas de capital aberto, Nabi não se vê como uma ativista e quer ser julgada unicamente por suas ações. “É muito importante que as pessoas não pensem, equivocadamente, que só estou aqui como formalidade. Estou aqui porque sou uma executiva de muito sucesso neste setor e nada mais.”
Criada em uma família proeminente na Argélia (seu pai foi ministro da Energia), Nabi mudou-se para a França aos 16 anos para estudar engenharia. “Costumava ligar para o meu pai implorando para voltar para casa, mas ele ficava me dizendo para ficar mais um dia, mais um ano”, lembra. Isso lhe deu determinação e independência. “Faço tudo que as pessoas me pedem, mas eu faço do meu jeito.”
Quando chegou à Coty, Nabi começou a examinar cada marca, das vendidas no Walmart até os perfumes de luxo, para analisar seus pontos fortes e fracos. Dedicou atenção especial à CoverGirl. A marca havia passado por inúmeras remodelações malsucedidas que, segundo Nabi, a desviaram de suas raízes no mercado de massa. Ela também desenterrou a Lancaster, uma marca premium de protetor solar, que foi usada pela princesa Grace de Mônaco, e a colocou no centro de uma investida na China de produtos de luxo para a pele.
Outra prioridade foi expandir o trabalho que a Coty fazia sob licença para as grifes Gucci e Burberry, passando da simples fabricação e venda de perfumes para ajudá-las a lançar linhas de maquiagem. Dada a força dessas marcas na China, Nabi planeja enfim edificar a presença da Coty no segundo maior mercado de beleza do mundo.
“Apenas por estar no [site] T-Mall, cerca de 700 milhões de pessoas têm acesso aos nossos produtos pela primeira vez na China, de forma que o céu é o limite em termos de crescimento”, disse ela.
As ações da companhia, entretanto, ainda estão 25% abaixo dos US$ 11,65 que a JAB pagou em 2019 para retomar o controle e que representam cerca da metade do preço do IPO, em 2013.
“São realmente as pequenas vitórias que ajudam a transformar a mentalidade das pessoas, enquanto se trabalha rumo às grandes vitórias, que levam mais tempo”, disse Nabi.
No Brasil
Dona das marcas Monange, Risqué e Bozzano no mercado brasileiro, a Coty protocolou em agosto pedido para negociar ações na B3, visando obter recursos para expandir a operação por aqui. No balanço divulgado ontem, o grupo informou que a retomada de vendas da divisão global de consumo foi parcialmente ofuscada pela queda de pedidos por causa do aumento de preços no Brasil. Mesmo assim, o resultado global superou as estimativas do mercado e as ações da Coty subiram 15,07%, cotadas a US$ 10,69. A receita líquida no trimestre fiscal encerrado em setembro avançou 22%, para US$ 1,37 bilhão. O grupo também vendeu mais 4,7% da marca Wella para o KKR.
Fonte: Valor 09.11.2021