Nanocosméticos estão entre nós há mais de 25 anos
O primeiro nanocosmético invadiu as prateleiras em 1993, quando a L’Oréal Paris decidiu criar um produto para combater o envelhecimento de pele. A proposta era criar ativos mais eficientes: a verdade é que cosméticos tradicionais atuam apenas na superfície, sem penetrar na camada mais profunda do tecido que reveste nosso corpo.
Naquele ano, a L’Oréal lançou um creme com nanocápsulas que carregavam a vitamina E. O desenvolvimento do produto foi realizado em parceria da Universidade de Paris 11, que acabou patenteando a tecnologia e permitindo o licenciamento pela empresa de beleza.
O lançamento do produto agitou o setor de cosméticos. Não demorou para que outras empresas investissem em pesquisa para desenvolver os seus próprios nanocosméticos. Uma verdadeira revolução para o setor.
No Brasil, o interesse demorou um pouco para aflorar entre as empresas: o primeiro nanocosmético foi desenvolvido no país pela O Boticário apenas em 2005. O Nanoserum era um creme anti-sinais para a área dos olhos, testa e contorno dos lábios.
A composição com nanoestruturas carregava ativos com vitamina A, C e K e um ativo para clareamento. O produto foi desenvolvido em parceria com o laboratório francês Comucel depois de investimentos de R$ 14 milhões.
Dois anos depois, a Natura lançou o Brumas de Leite para hidratação corporal e recheado com nanopartículas. Atualmente, a maioria dos nanocosméticos ainda são voltados para aplicação na pele do rosto e do corpo com ação antienvelhecimento e de fotoproteção.
Nos produtos mais recentes, as empresas ainda conseguem manipular a velocidade com que um ativo é liberado na pele do consumidor. E outra boa notícia: quase três décadas depois do lançamento da L’Oréal, não faltam no mercado brasileiro opções de nanocosméticos.
A BIOAGE, por exemplo, é uma marca de dermocosméticos para profissionais do segmento de estética, saúde e bem-estar – e você pode estar usando produtos com nanotecnologia até sem saber. “Com a nanotecnologia, o produto tem melhor permeação na pele e um efeito mais rápido. Além disso, o nosso produto pode ser utilizado em peles sensíveis”, contou a diretora de pesquisa e desenvolvimento da BIOAGE, Sula Hage.
Ela ainda explica que os produtos criados pela marca agem por mais tempo na pele do consumidor: o cosmético pode “trabalhar” por até 12 horas. “Os consumidores não chegam ao nosso produto por causa da nanotecnologia. Eles ainda têm pouco conhecimento sobre o assunto. É a indústria que se importa mais porque além de proteger o ativo, a nanotecnologia dá mais segurança ao cosmético”, disse a executiva.
Com a nanotecnologia, ainda é possível reduzir a quantidade de ativos em um só produto, reduzindo o custo para as empresas. “É comprovado por estudos que, se eu quiser uma ação na minha pele com 20% de vitamina C, eu posso usar apenas 10% de nanopartículas para conseguir o efeito”.
Outros resultados clínicos também comprovam que a absorção de nanocosméticos é mais profunda e os efeitos estéticos são muito superiores aos cosméticos tradicionais.
Nanocosméticos no Brasil
Também não é incomum encontrar protetores solares à base de nanopartículas – o produto promete bloquear 100% da radiação ultravioleta (UV). Seus ativos são capazes de absorver e refletir os raios UV, com resultados melhores do que os protetores comuns.
A brasileira Vitalife, com sede em Aparecida de Goiânia (GO), é uma das empresas nacionais que produz protetores solares com a nanotecnologia. São seis produtos da linha BLOCKSKiN, que incluem produtos para crianças, pele com espinhas e até mesmo o “Color”, que tem ação tonalizante para disfarçar pequenas imperfeições.
Os principais componentes dos produtos são as vitaminas C, E e ácidos em cápsulas. Atualmente, a empresa exporta protetores solares e cremes faciais para a Colômbia, Equador, Kuwait e Emirados Árabes Unidos. No final do ano passado, a Vitalife tinha acordos encaminhados com o Uruguai, Paraguai e Bolívia.
Para a empresa, o mercado é cheio de oportunidades: além do setor ter movimentado US$ 1,6 bilhão no Brasil em 2016, o país acumula 10% das vendas de protetores solares com nanotecnologia em todo o mundo.
A Akmos é outra empresa brasileira que comercializa produtos com a nanotecnologia. Em seu e-commerce, a descrição de alguns cosméticos aponta para o uso da tecnologia durante o processo de fabricação ou mesmo em ativos.
“O setor de cosméticos está na frente das inovações com nanotecnologia. Os ativos criados são tão pequenos que conseguem penetrar mais fundo na pele, atuando de dentro para fora”, comentou o professor do Instituto de Química da USP e especialista em nanotecnologia, Delmárcio Gomes. “E a indústria altera apenas um pouco a composição de um produto para criar um nanocosmético”.
Se você acompanhou a história com atenção, deve desconfiar que a aplicação de nanotecnologia encarece os produtos. Quando a L’Oréal decidiu lançar seu primeiro produto, por exemplo, foi pela sua divisão de luxo, Lancôme. O produto da marca era chamado Primordiale e custava R$ 289.
Um produto similar da marca Anna Pegova, o Akinésine, era vendido por R$ 378. As mesmas marcas vendem cremes anti-sinais sem a nanotecnologia que custam, em média, R$ 80 e R$ 120, respectivamente.
Mas os nanocosméticos não se restringem aos produtos para a pele: as empresas também estão investindo na área capilar. Para o alisamento de cabelos, por exemplo, pesquisas estão usando a nanoemulsão para penetrar nos fios sem destruir a estrutura externa das fibras capilares – como acontece nos tratamentos comuns.
No Brasil, a Chemyunion criou uma tecnologia de nanopartículas de sericina (proteína originária da seda) capaz de repor a massa do cabelo e selar cutículas danificadas. De acordo com a empresa, em cabelos coloridos, a tecnologia contribui com a manutenção da cor.
A tecnologia pode ser aplicada em condicionadores, máscaras, leave-ins, alisantes e tinturas capilares. Mas não estranhe se você nunca ouviu falar da Chemyunion: a empresa é responsável pela criação e fabricação dos ativos e vende a tecnologia para outras marcas.
Já a Nanovetores S.A conta com a linha Curly. Os produtos desenvolvidos pela empresa – shampoo, condicionador, máscara e finalizador – têm um ativo que promete modelar os cachos enquanto tratam o cabelo.
A ciência está de olho
Não são apenas as empresas que conduzem pesquisas sobre nanocosméticos. No Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), a pesquisadora Juliana Bernardes coordena uma linha de pesquisa voltada para a extração de nanocristais e nanofibrilas de celulose do bagaço de cana de açúcar – e você sabe disso se acompanhou nossa terceira reportagem sobre nanotecnologia.
Neste caso, a pesquisa também usa os insumos nano como espessantes na fase aquosa do cosmético. A técnica permite tornar o produto mais denso. A alternativa que está sendo desenvolvida por Juliana é uma substituta sustentável para as opções disponíveis no mercado.
“Quando você coloca o shampoo na mão, não quer que ele saia correndo”, comentou a pesquisadora. No final do processo de Juliana, é desenvolvido um gel que serve como ativo para os cosméticos, que podem ser cremes, produtos para cabelo, rímel ou até esmaltes.
Enquanto isso, a ciência ainda estuda os efeitos da nanotecnologia para a saúde humana – a questão é mais forte em áreas como a da medicina, que devem usar a tecnologia para atuar dentro do organismo e na corrente sanguínea. No caso dos cosméticos, podemos dizer que a maioria dos produtos é segura: eles são compostos basicamente por nanoestruturas à base de polímeros biodegradáveis ou de fosfolipídeos como a lecitina da soja, biocompatíveis e biodegradáveis.
No caso de filtros solares, é preciso ficar mais atento: é mais provável que o produto carregue nanopartículas insolúveis, especialmente nos casos em que as partículas têm menos de 100 nanômetros de diâmetro.
Fonte: Canal Tech 01.05.2019