Natura faz melhor em menos tempo
Uma nova cultura, com times multidisciplinares enxutos, ágeis e conectados, acelera a criação, com o suporte de um centro de P&D recém-inaugurado
Um dos indicadores corriqueiramente usados para medir a inovação – o de participação de novos lançamentos na receita – dá bem o tom do nível alcançado pela Natura. Em 2020, os produtos lançados no ano e em 2019 representaram 67,1% da receita bruta, o maior índice desde 2014 (67,9%). Importante, também, está em nível muito adequado – é bom não ter aumento exagerado. “Deve haver um limite: não quero, por exemplo, chegar a 80%”, afirma Roseli Mello, diretora global de inovação da Natura. Seria, nesse caso, um sinal de perda de atratividade de lançamentos anteriores, e é preciso ter uma linha de produtos para manter a receita. “A gente busca o equilíbrio e fica muito feliz com o índice de 2020, mostra a pujança da nossa inovação”, diz Roseli. E deixa evidente, também, o acerto de importante mudança cultural, suportada por novo sistema de gerenciamento de dados e de reforço da infraestrutura – neste último caso, a estrela é o novo centro de inovação, oficialmente inaugurado em novembro de 2020, no qual foram investidos R$ 35 milhões.
“Preparamos a empresa para uma nova cultura dentro do processo de inovação”, afirma Roseli. A Natura passou a trabalhar com times multidisciplinares, focados por marca e com “espírito de dono”. São equipes menores, mais ágeis e totalmente conectadas com as necessidades do consumidor e com os desafios socioambientais. Hoje, segundo Roseli, a empresa consegue entregar produtos melhores – no sentido de mais significativos para o consumidor – em menos tempo e sempre relacionados com a missão da empresa. “Nosso ciclo de desenvolvimento engloba populações tradicionais da Amazônia com seus conhecimentos, ciência, bioativos potentes e exclusivos”, diz Roseli. Os produtos, segundo ela, têm alto grau de naturalidade, são biodegradáveis e usam embalagens ecológicas – muito plástico verde e materiais capazes de retornar o maior número de vezes ao sistema. “Sempre com menos peso, menos massa, menos resíduos”, diz Roseli. E com muito foco em itens da Amazônia e suas comunidades produtoras. “Entregamos valor para a sociedade, para o ambiente e para toda a nossa cadeia de fornecedores e consultoras.”
Importante também para alcançar aquele alto índice de inovação é o novo sistema de gerenciamento de todos os dados, da geração de ideias ao produto final. Um software integra esses movimentos e permite ter um “olhar mais assertivo” para o portfólio de projetos e decidir acelerar este ou aquele ou ainda, eventualmente, desistir de fazer. “A inovação tem muito também do não fazer para escolher uma rota”, diz Roseli.
À mudança cultural e ao sistema de gerenciamento se soma, como o terceiro e importante fator para explicar os avanços da Natura na área, o novo centro de inovação, com 2,9 mil m² de área construída em Cajamar (SP), onde estão também três fábricas e escritórios da Natura. São quatro andares. No quarto andar são produzidos cerca de 2,7 mil protótipos por ano. Para cada um deles são colhidos dados de análises e, com o uso de inteligência artificial, simulações e predições, chega-se a fórmulas cada vez melhores e em menos tempo. No terceiro andar estão, segundo Roseli, as tecnologias mais avançadas, para mapeamento genético, impressão de pele – usada em testes, a Natura há muito não faz experimentos com animais. Estão também, como diz a diretora, “nossos narizes eletrônicos” – cromatógrafos de última geração para o desenvolvimento de fragrâncias – e um laboratório inteiro de biotecnologia.
No segundo andar há dois espaços. Um, voltado para avaliação sensorial de produtos em desenvolvimento, submetidos ao julgamento de consumidores e consultoras. “Observamos aí, também, como as pessoas usam, qual o gestual, para chegar à melhor embalagem ou ao aplicador mais ergonômico”, afirma Roseli.
Outro espaço é dedicado à inovação aberta. “A gente faz inovação aberta de várias maneiras no mundo inteiro e essa área só personifica isso”, diz a diretora. Aí a Natura recebe vários atores de inovação, incluindo startups, para criações conjuntas. Ao lado, estão equipamentos de última geração e impressoras 3D, de onde saem protótipos.
A partir da interação com startups surgem novidades como a tecnologia fornecida por uma delas, a Noar, para um dispositivo – um tablet – capaz de produzir “fragrância digital” para experimentação. Sem borrifador, papelzinho molhado e, importante, sem misturar odores. É possível provar até 20 sem confundir o olfato. Os dispositivos já deveriam estar nas lojas da Natura, mas as dificuldades provocadas pela pandemia tiveram de adiar o plano. Agora, o panorama começa a mudar com a possiblidade de mais contato entre as pessoas. “Estamos avaliando também formatos para introduzir a novidade na venda direta”, diz Roseli.
Startups chegam com novidades não só para produtos, mas também para aplicação em várias áreas da empresa “do RH a uma solução para a área contábil, de tecnologia e até logística.” Neste último caso se encaixa a parceria feita pela Natura com a Speedbird para a entrega de produtos por meio de drones. A Speedbird tem Certificado de Autorização de Voo Experimental da Anac. Além de agilizar a entrega em locais mais afastados ou de difícil acesso, os drones acrescentam uma vantagem muito cara aos propósitos da Natura: não geram emissões de gases de efeito estufa.
Inicialmente, os testes têm sido feitos num raio de até 200 km dos centros de distribuição. “Mas a ideia é expandir e fazer com que a tecnologia chegue a todo o Brasil”, afirma Roseli. O programa Natura Startups existe desde 2016. Por meio dele, a Natura avaliou mais de 5 mil startups, interagiu com mais de 1,1 mil e contratou 41 delas, depois de testar 106 soluções.
Mas a inovação na Natura parte também de locais bem distantes do centro recém-inaugurado. “Temos uma equipe de pesquisadores baseados no Pará, nosso núcleo de inovação amazônico”, afirma Roseli. Os pesquisadores estão em constante contato com as comunidades produtoras dos ativos usados nas fórmulas da Natura – “há uma troca de saber, aprendemos com elas, temos também muito conhecimento, e devolvemos práticas de produção para que tenham uma vida digna e mantendo a floresta em pé”. Há repartição de benefícios da venda de produtos.
Pesquisadores saem também em expedições. Podem observar, por exemplo, uma planta que só abre à noite e qual a reação dela com a luz. Capaz de ter algum ativo para proteger a pele humana de raios ultravioleta. A Natura, segundo Roseli, usa muito a biomimética, observação da natureza para encontrar nela soluções de problemas. “Usamos biomimética para testar e agora comprovar que o sistema agroflorestal de dendê é tão produtivo quanto uma monocultura”, diz Roseli. “Imitamos. Plantamos dendê simulando uma floresta, com várias árvores diferentes, e chegamos à conclusão: dá para fazer óleo de dendê sustentável.”
Há uma relação muito próxima, como se vê, entre Amazônia e Natura. “A Amazônia para nós é uma causa, o motor da economia verde que o Brasil poderia liderar”, afirma a diretora. Daí ter nascido a plataforma Plenamata, de monitoramento em tempo real do desmatamento da Amazônia. A Natura tem a parceria da Mapbiomas (projeto de mapeamento de uso e cobertura de terras no Brasil), Infoamazônia (meio jornalístico de temas socioambientais da região) e Hacklab (empresa de tecnologia digital “para construir uma sociedade mais transparente e consciente”).
“Pela plataforma, disponibilizamos informações e dados sobre o desmatamento de forma acessível”, diz Roseli. “Embora todo o mundo fale do problema da Amazônia, poucos dados são fornecidos de forma a levar as pessoas a entenderem, de fato, o impacto do que acontece lá.” Há um contador de árvores derrubadas por minuto para sensibilizar as pessoas. A plataforma reúne ainda conteúdos informativos sobre como é possível manter aquele bioma de forma economicamente viável para todos.
Fonte: Valor 28.10. 2021