Biodiversidade: Agora é lei
I – Introdução.
O advento da nova da lei da biodiversidade brasileira é uma excelente notícia para o setor produtivo e acadêmico.
É difícil precisar o número de segmentos que fazem ou podem fazer uso de matéria prima contendo ativos da biodiversidade brasileira. Desde os mais comuns como a indústria farmacêutica, cosmética e agroindústria, até a indústria automobilística (ceras polidoras de carnaúba).
O Brasil, é certo, perdeu bilhões de reais nos últimos anos, pois a maior parte das pesquisas voltadas para a utilização da biodiversidade brasileira estavam estancadas ante a confusa e agora falecida Medida Provisória 2.186-16/2001.
Ainda que pudesse ser uma matéria prima nacional (com potencial de barateamento do custo de transação) não havia estimulo de uso pelo setor produtivo (nem para o setor acadêmico), pois a confusa legislação não oferecia segurança jurídica suficiente para isso. Para se ter ideia, algumas indústrias e universidades que “insistiram” em fazer uso deste tipo de matéria prima, foram fortemente autuadas.
A nova lei buscou romper a burocracia exacerbada e trouxe significativos avanços, com vistas a estimular o uso da biodiversidade brasileira. Vejamos algumas novidades da lei: I – A partir de agora fica cancelada a necessidade de autorização prévia para a pesquisa contendo ativos da biodiversidade brasileira (bastando um cadastro posterior, que será melhor delineado no regulamento da lei); II – o acesso e remessa de produtos contendo ativos da biodiversidade brasileira deverão ser notificados com prazo razoável para concessão de autorização; III – Apenas os fabricantes de produtos acabados contendo matéria prima da biodiversidade brasileira deverão repartir benefícios; IV – A repartição de benefícios poderá ser feita de forma monetária ou não monetária; V – A repartição de benefícios obedecerá uma faixa que pode ir de 0,1% a 1% sobre a receita liquida anual obtida pela indústria, dependendo de determinados acordos setoriais (na ausência destes, prevalecerá 1%); VI – Será criado um Fundo Nacional para Repartição de Benefícios; VII – As multas aplicadas sob a égide da lei anterior poderão ser extintas, desde que repartidos os benefícios prévios e assinado um termo de compromisso.
A lei entrará em vigor a partir do próximo dia 20 de novembro de 2015, uma vez que houve um período chamado “vacatio legis” para que os interlocutores tenham tempo de interpretar o novo marco legal.
Além disso, alguns dispositivos não são autoaplicáveis e dependem de regulamentação.
Este é, sem qualquer sombra de dúvida, um momento relevante para a indústria nacional, que, mercê de tempos retração econômica, pode encontrar meios de barateamento de sua cadeia e, principalmente, inovação, com matéria prima da nossa biodiversidade, que é rica e pouco explorada.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, “o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta. Esta abundante variedade de vida – que se traduz em mais de 20% do número total de espécies da Terra – eleva o Brasil a posto de principal nação entre os 17 países megadiversos (ou de maior biodiversidade)”. Esta enorme diversidade (pouco conhecida), desde que utilizada de forma sustentável, pode representar um grande trampolim para a indústria nacional.
II – Comentários gerais sobre cada um dos Capítulos da lei 13.123/2015.
O Capítulo I define o escopo da legislação, bem como o conceito de cada um dos diversos bens, direitos e obrigações nele contidas: acesso ao patrimônio genético[1] do País, conhecimento tradicional associado[2] ao patrimônio genético, o acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica, à exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, a remessa para o exterior de parte ou do todo de organismos, vivos ou mortos, de espécies animais, vegetais, microbianas ou de outra natureza, que se destine ao acesso ao patrimônio genético e atualiza, como também cria importantes conceitos, quais sejam: conhecimento tradicional associado de origem não identificável[3], comunidade tradicional[4], provedor de conhecimento tradicional associado[5], consentimento prévio informado[6], protocolo comunitário[7], acesso ao patrimônio genético[8], acesso ao conhecimento tradicional associado[9], pesquisa[10], desenvolvimento tecnológico[11], cadastro de acesso ou remessa de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado[12], remessa[13], autorização de acesso ou remessa[14], usuário[15], produto acabado[16], produto intermediário[17], elementos principais de agregação de valor ao produto[18], notificação de produto[19], acordo de repartição de benefícios[20], acordo setorial[21], atestado de regularidade de acesso[22], termo de transferência de material[23], atividades agrícolas[24], condições in situ[25],espécie domesticada ou cultivada[26], condições ex situ[27], população espontânea[28], material reprodutivo[29], envio de amostra[30], agricultor tradicional[31], variedade tradicional local ou crioula[32] e raça localmente adaptada ou crioula[33].
Ainda que o legislador tenha se esforçado para elaborar conceitos mais claros, a fim de minimizar dúvidas de interpretação sobre determinadas situações que certamente surgirão, nos parece que para os conceitos de “produto acabado”, “produto intermediário” e “elementos principais de agregação de valor ao produto” não houve a clareza necessária. Nota-se que são conceitos que definirão se determinado usuário deverá ou não repartir benefícios. Importa dizer, contudo, que o futuro Decreto Regulamentador será, para estes e outros conceitos, absolutamente relevante e necessário, para diminuir ao máximo, qualquer margem de intepretação obscura da nova legislação.
A nova lei deixa expresso, também, que o microrganismo (isolado a partir de substratos do território nacional, do mar territorial, da zona econômica exclusiva ou da plataforma continental) será considerado parte do patrimônio genético existente no território nacional, ou seja, passível de regularização de acesso.
Finalmente a lei também deixa claro que esta não se aplicará ao patrimônio genético humano, em linha com o que o previa a MP 2.186-16/2001, e que será vedado qualquer acesso que esteja associado a práticas nocivas ao meio ambiente, à reprodução cultural e à saúde humana, bem como para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.
O Capitulo II estabelece competências e atribuições institucionais do CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético[34], remetendo a Decreto Regulamentador a sua composição e funcionamento.
A excelente notícia é que, a partir de agora, haverá uma divisão de cadeiras entre o setor público (com representação máxima de 60%) e da sociedade civil (com representação mínima de 40%), ou seja, o setor empresarial, ao que tudo indica, será ouvido, com boa representatividade.
O Capitulo III estabelece direitos e obrigações relativos ao Conhecimento Tradicional Associado.
Consolida-se o reconhecimento pelo Estado do direito de povos indígenas, de comunidades tradicionais e de agricultores tradicionais de participar de tomada de decisões sobre temas relacionados à conservação e ao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético, bem como fica mais uma vez expresso que o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético integra o patrimônio cultural brasileiro, sendo vedada a sua utilização e exploração de forma ilícita, podendo inclusive ser depositado em banco de dados (a ser regulamentado pelo CGEN ou através de legislação específica).
A lei reconhece que publicações científicas, registros em cadastros ou bancos de dados ou ainda inventários culturais são formas de reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados.
Para o acesso ao conhecimento tradicional (identificável) o usuário estará obrigado a obter o consentimento prévio, que poderá ser realizado através dos seguintes meios (a critério da população indígena, da comunidade tradicional ou do agricultor tradicional): assinatura de termo de consentimento prévio, registro audiovisual do consentimento, parecer do órgão oficial competente, adesão na forma prevista em protocolo comunitário.
Ou seja, de forma bastante acertada, a lei procurou respeitar a vontade dos detentores dos conhecimentos tradicionais, vedando a utilização deste conhecimento sem o seu consentimento prévio. No entanto, se o conhecimento tradicional associado não possuir uma origem identificável, não haverá necessidade de consentimento prévio.
Além disso, a lei também consolidou o direito aos créditos aos povos indígenas e às comunidades tradicionais que criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional associado.
O Capítulo IV define como poderão ser executadas as atividades de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, a remessa para o exterior de amostras do patrimônio genético e a exploração econômica de produto ou processo resultante de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.
Com muita alegria a comunidade científica e o setor produtivo receberam a notícia de que não haverá mais a necessidade de autorização prévia, o que era um absoluto contrassenso e norma claramente inconstitucional segundo o que já dissemos em artigo anteriormente publicado:
“Está expresso como garantia fundamental do cidadão, no artigo 5.° da Carta, a liberdade de atividade científica, sem entraves, SEM CENSURA OU LICENÇA: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; O pesquisador, segundo o que determina a Constituição Federal, não precisa pedir autorização governamental para realizar pesquisa científica. Os mandamentos do artigo 5.° são normas constitucionais de eficácia absoluta. Maria Helena Diniz conceitua o grau de importância deste tipo de norma constitucional: “as intangíveis; contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem uma força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis. Por exemplo, os textos constitucionais que ampararam a federação (art. 1.°), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação de poderes (art. 2.°) e os direitos e garantias individuais (art. 5.°, I a LXXVII) por serem insuscetíveis de emenda são intangíveis, por força dos arts. 60, § 4.° e 34, VII, a e b”[35]. No entanto, tanto os dispositivos legais previstos na MP 2.186-16/2001, no Decreto 5459/05 quanto na Resolução n° 35 do CGEN obrigam o pesquisador, sob pena de autuação, a pedir autorização prévia para realizar pesquisas contendo ativos da biodiversidade brasileira. A Constituição Federal estimula e autoriza a pesquisa científica no país, fundamental para o desenvolvimento da nação (artigo 218, § 2.°), como já frisamos no item 1 do presente trabalho. Mais do que estimular, a Constituição Federal em cláusula pétrea que trata dos Direitos invioláveis do cidadão, garante a liberdade da atividade científica (leia-se, pesquisa científica) SEM QUALQUER TIPO DE CENSURA.”[36]
Não há como negar que o avanço é significativo para o País, abrindo grandes possibilidades de pesquisa e utilização da biodiversidade brasileira, sem os antigos entraves da legislação anterior.
Chama atenção, neste capítulo, que a legislação veda que o acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado seja feito por pessoa natural estrangeira.
Deixa a lei expresso que as seguintes atividades deverão ser cadastradas: “I – acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado dentro do País realizado por pessoa natural ou jurídica nacional, pública ou privada; II – acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado por pessoa jurídica sediada no exterior associada a instituição nacional de pesquisa científica e tecnológica, pública ou privada; III – acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado realizado no exterior por pessoa natural ou jurídica nacional, pública ou privada; IV – remessa de amostra de patrimônio genético para o exterior com a finalidade de acesso, nas hipóteses dos incisos II e III acima; e V – envio de amostra que contenha patrimônio genético por pessoa jurídica nacional, pública ou privada, para prestação de serviços no exterior como parte de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico.”
O funcionamento do Cadastro será definido em regulamento, no entanto, já deixou expresso o legislador que o cadastramento deverá ser feito previamente a qualquer remessa, requerimento de direito de propriedade intelectual, à comercialização do produto intermediário, à divulgação dos resultados, finais ou parciais, em meios científicos ou de comunicação, à notificação de produto acabado ou material reprodutivo desenvolvido em decorrência do acesso.
Assim, o usuário deverá providenciar o quanto antes o seu cadastro, sendo certo que além do regulamento da presente legislação, o INPI deverá também elaborar uma resolução em linha com o presente capítulo, para que patentes contendo ativos da biodiversidade possam tramitar sem qualquer entrave.
No que concerne ao sigilo das informações imputadas no cadastro há uma preocupação. O legislador deixou expresso que as informações ali constantes são públicas, excetuando “aquelas que possam prejudicar as atividades de pesquisa ou desenvolvimento científico ou tecnológico ou as atividades comercias de terceiros”. Ou seja, caberá ao usuário informar e requerer ao órgão que mantenha determinadas atividades em sigilo, uma vez que a regra é a publicidade do ato.
Em relação à exploração econômica, deixa expresso a lei que tão somente para o produto acabado ou material reprodutivo originário de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado será exigida a notificação do produto junto ao CGEN antes de sua comercialização, bem como a apresentação do Acordo de Repartição de Benefícios, contendo a modalidade de repartição (que poderá ser monetária ou não monetária). A apresentação do Acordo de repartição de benefícios estará isenta para os expressamente isentos de repartição (microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais, agricultores tradicionais e suas cooperativas, com receita bruta anual igual ou inferior ao limite máximo estabelecido no inciso II do art. 3° da Lei Complementar n° 123 de 14 de dezembro de 2006) ou quando o usuário decidir recolher o valor da repartição diretamente junto ao Fundo Nacional de Repartição de Benefícios.
O Capítulo V dispõe sobre Repartição de Benefícios.
Em primeiro lugar, tão somente a exploração de produto acabado ou de material reprodutivo, resultante de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, ainda que produzido fora do País, resultará em repartição de benefícios, que deverá ser justa e equitativa (em conformidade com um dos Princípios da CDB, em seu artigo primeiro[37]).
Além disso, apenas o fabricante do produto acabado ou o produtor do material reprodutivo, independentemente de quem tenha realizado o acesso anteriormente, é que estará sujeito à repartição de benefícios, estando isentos os fabricantes de produtos intermediários e desenvolvedores de processos oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado ao longo da cadeia produtiva.
Caso o produto tenha sido produzido fora do Brasil, mas contenha matéria prima contendo acesso ao patrimônio genético, o importador, subsidiária, controlada, coligada, vinculada ou representante comercial do produtor estrangeiro deverá responder de forma solidária com o fabricante do produto acabado pela repartição de benefícios.
A lei trouxe inéditas formas de repartição de benefícios, além daquelas já previstas pela MP 2.186-16/2001, quais sejam: a) projetos para conservação ou o uso sustentável de biodiversidade ou para proteção e manutenção de conhecimentos, inovações ou práticas de povos indígenas ou comunidades tradicionais, preferencialmente no local de ocorrência da espécie em condição in situou de obtenção da amostra quando não se puder especificar o local original; b) transferência de tecnologias; c) disponibilização em domínio público de produto ou processo, sem proteção por direito de propriedade intelectual ou restrição tecnológica; d) licenciamento, de produtos e processos, livre de ônus; e) capacitação de recursos humanos e; f) distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social.
Finalmente, e um dos pontos mais relevantes e delicados da lei é a obrigação legal do fabricante do produto acabado ou de material reprodutivo, oriundo de acesso ao patrimônio genético, pagar o valor de um por cento da receita líquida anual obtida com a exploração econômica do referido produto ao “Fundo Nacional de Repartição de Benefícios”.
Há uma ressalva na lei que permite a União celebrar um acordo setorial que permita reduzir o valor da repartição de benefícios para até um décimo por cento da receita liquida anual obtida com a exploração econômica do produto acabado contendo acesso ao patrimônio genético.
Há uma enorme incerteza pairando no ar, neste exato momento, sobre como ficará esta questão, uma vez que não há clareza de quais serão os requisitos em relação aos Acordos Setoriais, o que poderá impactar diretamente nas margens do setor produtivo que pretender trabalhar com acesso ao patrimônio genético. O regulamento é que definirá.
Além de não haver nenhuma forma de incentivo fiscal na lei, estimulando o acesso, há o temor de que o valor da repartição de benefícios inviabilize a sua utilização.
É vital que o Governo esteja sensível para que o Decreto Regulamentador não inviabilize os Acordos Setoriais, pois as margens para a indústria normalmente já são muito reduzidas, em razão de todo o custo agregado ao desenvolvimento, fabricação e comercialização de algum produto.
É ingênuo imaginar que o empresário optará pela utilização de ativo da biodiversidade por uma questão de “amor aos recursos do país”. O setor produtivo necessita de rentabilidade em seu negócio. Note que o desinteresse pela utilização de ativos da biodiversidade pode gerar um prejuízo em cascata, com reflexos para todos os outros entes da cadeia (desde o provedor da matéria prima até o fabricante de produto intermediário). [38]
A mesma regra (repartição de benefícios na modalidade monetária com base em um por cento sobre a receita liquida anual) aplicar-se-á ao produto acabado contendo acesso ao conhecimento tradicional associado de origem não identificável.
Quando a origem for identificável (conhecimento tradicional associado), quem receberá a repartição de benefícios será o provedor do conhecimento tradicional associado e as partes terão liberdade para negociar (de forma justa e equitativa). Além disso, a lei presume que sempre existirão demais detentores do conhecimento tradicional associado (e estes também receberão repartição de benefícios, na forma monetária e considerando 0,5% da receita liquida anual obtida com esta exploração, caso não haja acordo setorial diminuindo este montante).
As partes que deverão celebrar o Acordo de Repartição de Benefícios, são as seguintes: a) União, representada pelo Ministério do Meio Ambiente e aquele que explora economicamente produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado de origem não identificável ou b) provedor de conhecimento tradicional associado de origem identificável e aquele que explora economicamente produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao conhecimento tradicional associado (origem identificável).
Outras cláusulas essenciais do Acordo de Repartição de Benefícios são as seguintes: produtos objeto da exploração econômica, prazo de duração, modalidade de repartição de benefícios, direitos e responsabilidades das partes, direito de propriedade intelectual, rescisão, penalidades e foro no Brasil.
O Capítulo VI dispõe sobre as sanções administrativas.
Praticamente não existem grandes diferenças entre o que esteve disposto pela MP 2.186-16/2001 e a presente lei.
As sanções previstas são: advertência, multa, apreensão de amostras que contém o patrimônio genético acessado, apreensão dos instrumentos utilizados na coleta ou no processamento do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado acessado, apreensão dos produtos derivados de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, apreensão dos produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado, suspensão da venda do produto derivado de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, embargo da atividade específica relacionada à infração, interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento, suspensão do atestado ou autorização, cancelamento de atestado ou autorização.
As multas poderão variar entre R$ 1.000,00 a R$ 100.000,00 quando a infração for cometida por pessoa natural; de R$ 10.000,00 a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), quando a infração for cometida por pessoa jurídica.
O regulamento é que definirá sobre o processo administrativo.
O Capítulo VII dispõe sobre a criação do Fundo Nacional de Repartição de benefícios e do Programa Nacional de Repartição de Benefícios.
A lei define que ficará instituído o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), com o objetivo de valorizar o patrimônio genético e os conhecimentos tradicionais associados e promover o seu uso de forma sustentável, sendo que através de regulamentação futura é que será formada a composição, organização e funcionamento do Comitê Gestor do FNRB (que aparentemente será diferente da composição do CGEN).
Ficará também instituído o Programa Nacional de Repartição de Benefícios (PNRB) com diversas atividades e diretrizes voltadas para a conservação da diversidade biológica.
O Capítulo VIII dispõe sobre as normas transitórias sobre adequação e a regularização de atividades.
Deverá o usuário reformular o pedido de autorização ou regularização de acesso e de remessa de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado formalizado através da MP 2.186-16/2001, para que seja recebido como pedido de cadastro ou de autorização de acesso, dependendo do caso, no prazo de um ano, a contar da disponibilização do cadastro pelo CGEN.
Além disso, deverá adequar-se, também no prazo de 01 ano, contado da data de disponibilização do cadastro, o usuário que realizou acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado ou exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado a partir de 30 de junho de 2000, sob pena de, não fazendo, infringir as sanções previstas. O usuário deverá (conforme o caso) cadastrar o acesso, notificar o produto acabado ou material reprodutivo objeto da exploração econômica, e/ou repartir benefícios referentes à exploração econômica realizada a partir da data de entrar em vigor da nova lei.
O legislador também abriu a possibilidade para aqueles usuários que realizaram atividades em desacordo com a legislação em vigor à época (MP 2186/2001) possam firmar um Termo de Compromisso.
Quanto às multas aplicadas, a lei traz algumas considerações, dependendo do tipo de acesso.
Em primeiro lugar, deixa expresso que na hipótese de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associadounicamente para fins de pesquisa científica, o usuário deverá regularizar-se por meio de cadastro ou autorização da atividade conforme o caso, sendo que, com o referido cadastro ou autorização extingue-se a exigibilidade das sanções administrativas previstas na MP 2.186-16/2001.
Esta anistia das multas aplicadas para pesquisa cientifica é um alento. Uma das maiores aberrações vistas na história recente do País foi o tratamento de biopirata dado a empresas de pesquisa científica e aos pesquisadores que “ousaram” trabalhar com biodiversidade brasileira.
Também em relação as patentes depositadas na égide da (atual) MP 2.186-16/2001 o depositante deverá apresentar o comprovante de cadastro ou de autorização de que trata a lei junto ao INPI.
Finalmente, em relação às multas aplicadas em relação às empresas que fabricaram e comercializaram produtos contendo ativos da biodiversidade brasileira (acessando ou não patrimônio genético) também a perspectiva é realmente muito boa, uma vez os Autuados que cumprirem determinados requisitos podem ter a exigibilidade das sanções extinta.
A lei determina que o usuário deverá regularizar-se, no prazo de 01 ano, notificando o produto ou processo objeto da exploração econômica, bem como repartindo benefícios referentes à exploração econômica, sendo que a regularização estará condicionada a assinatura de um Termo de Compromisso entre o Usuário e a União (representada pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente, que poderá delegar a referida competência).
Referido Termo de Compromisso deverá conter: a) cadastro ou autorização de acesso ou remessa de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado; b) notificação de produto ou processo; c) repartição de benefícios obtidos referente ao tempo em que o produto desenvolvido após 30 de junho de 2000, oriundo de acesso a patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado, tiver sido disponibilizado no mercado, no limite de até cinco anos anteriores à celebração do Termo de Compromisso.
Com a assinatura do Termo de Compromisso, ficará suspensa a aplicação das sanções administrativas previstas na MP 2.186-16/2001 referente aos artigos 16 a 19 e 21 a 24 do Decreto 5.459/2005, bem como ficará suspensa a exigibilidade das sanções aplicadas com base na MP 2.186-16/2001 e nos arts. 16 a 19 e 21 a 24 do Decreto 5.459/2005.
Cumpridas as obrigações assumidas no Termo de Compromisso não se aplicarão as sanções administrativas já mencionadas, bem como terão sua exigibilidade extinta, além do que os valores das multas aplicadas com base nos arts. 19, 21, 22, 23 e 24 do Decreto 5.459/2005 (relativas ao Conhecimento Tradicional Associado), atualizadas monetariamente, serão reduzidos em noventa por cento do seu valor.
O Capítulo IX (Disposições Finais) dispõe expressamente que o Protocolo de Nagóia não se aplicará à exploração econômica, para fins de atividade agrícola, de material reprodutivo de espécies introduzidas no País pela ação humana até a entrada em vigor do Tratado; estipula que a concessão de direito de propriedade intelectual pelos órgãos competentes[39] de produto acabado ou material reprodutivo obtido a partir de acesso a patrimônio genético ou conhecimento tradicional ficará condicionada ao cadastramento ou autorização, nos termos da lei.
Será necessária a discussão de nova Resolução a ser editada pelo INPI a fim de que aquela Autarquia conceda eventuais direitos de propriedade intelectual em linha com a nova lei.
Por fim, o legislador deixou expresso que a nova lei entrará em vigor após 180 dias de sua publicação oficial (20 de maio de 2015) e que ficará revogada a MP 2186-16 de 23 de agosto de 2001.
III – Conclusão.
Abre-se, com a nova legislação, uma nova fronteira a ser explorada pela comunidade científica e pelo setor produtivo que pretendem trabalhar com acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado.
É necessário reconhecer que o legislador desburocratizou o processo e facilitará o uso deste importantíssimo ativo brasileiro.
Há muito que se fazer ainda, principalmente no que tange ao regulamento que está por vir, notadamente no aspecto relacionado aos acordos setoriais que representam um instrumento de diminuição do valor de repartição de benefícios, impactando diretamente no custo de transação do setor produtivo.
A utilização criteriosa da biodiversidade pode representar uma grande virada na balança comercial do país, mas deve sempre ser utilizada de forma sustentável. Apenas desta forma o ganho atingirá todos os entes (comunidades tradicionais, setor acadêmico e setor produtivo).
[1]informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos
[2] informação ou prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético
[3] conhecimento tradicional associado em que não há a possibilidade de vincular a sua origem a, pelo menos, uma população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional;
[4] grupo culturalmente diferenciado que se reconhece como tal, possui forma própria de organização social e ocupa e usa territórios e recursos naturais como condição para a sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição;
[5] população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional que detém e fornece a informação sobre conhecimento tradicional associado para o acesso;
[6] consentimento formal, previamente concedido por população indígena ou comunidade tradicional segundo os seus usos, costumes e tradições ou protocolos comunitários;
[7] norma procedimental das populações indígenas, comunidades tradicionais ou agricultores tradicionais que estabelece, segundo seus usos, costumes e tradições, os mecanismos para o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios de que trata esta Lei;
[8] pesquisa ou desenvolvimento tecnológico realizado sobre amostra de patrimônio genético;
[9] pesquisa ou desenvolvimento tecnológico realizado sobre conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético que possibilite ou facilite o acesso ao patrimônio genético, ainda que obtido de fontes secundárias tais como feiras, publicações, inventários, filmes, artigos científicos, cadastros e outras formas de sistematização e registro de conhecimentos tradicionais associados;
[10] atividade, experimental ou teórica, realizada sobre o patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, com o objetivo de produzir novos conhecimentos, por meio de um processo sistemático de construção do conhecimento que gera e testa hipóteses e teorias, descreve e interpreta os fundamentos de fenômenos e fatos observáveis;
[11] trabalho sistemático sobre o patrimônio genético ou sobre o conhecimento tradicional associado, baseado nos procedimentos existentes, obtidos pela pesquisa ou pela experiência prática, realizado com o objetivo de desenvolver novos materiais, produtos ou dispositivos, aperfeiçoar ou desenvolver novos processos para exploração econômica;
[12] instrumento declaratório obrigatório das atividades de acesso ou remessa de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado;
[13] transferência de amostra de patrimônio genético para instituição localizada fora do País com a finalidade de acesso, na qual a responsabilidade sobre a amostra é transferida para a destinatária;
[14] ato administrativo que permite, sob condições específicas, o acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado e a remessa de patrimônio genético;
[15] pessoa natural ou jurídica que realiza acesso a patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado ou explora economicamente produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado;
[16] produto cuja natureza não requer nenhum tipo de processo produtivo adicional, oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, no qual o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado seja um dos elementos principais de agregação de valor ao produto, estando apto à utilização pelo consumidor final, seja este pessoa natural ou jurídica;
[17] produto cuja natureza é a utilização em cadeia produtiva, que o agregará em seu processo produtivo, na condição de insumo, excipiente e matéria-prima, para o desenvolvimento de outro produto intermediário ou de produto acabado;
[18] elementos cuja presença no produto acabado é determinante para a existência das características funcionais ou para a formação do apelo mercadológico;
[19] instrumento declaratório que antecede o início da atividade de exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, no qual o usuário declara o cumprimento dos requisitos desta Lei e indica a modalidade de repartição de benefícios, quando aplicável, a ser estabelecida no acordo de repartição de benefícios;
[20] instrumento jurídico que qualifica as partes, o objeto e as condições para repartição de benefícios;
[21] ato de natureza contratual firmado entre o poder público e usuários, tendo em vista a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da exploração econômica oriunda de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado de origem não identificável;
[22] ato administrativo pelo qual o órgão competente declara que o acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado cumpriu os requisitos desta Lei;
[23] instrumento firmado entre remetente e destinatário para remessa ao exterior de uma ou mais amostras contendo patrimônio genético acessado ou disponível para acesso, que indica, quando for o caso, se houve acesso a conhecimento tradicional associado e que estabelece o compromisso de repartição de benefícios de acordo com as regras previstas nesta Lei;
[24] atividades de produção, processamento e comercialização de alimentos, bebidas, fibras, energia e florestas plantadas;
[25] condições em que o patrimônio genético existe em ecossistemas ehabitatsnaturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde naturalmente tenham desenvolvido suas características distintivas próprias, incluindo as que formem populações espontâneas;
[26] espécie em cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender suas necessidades;
[27] condições em que o patrimônio genético é mantido fora de seuhabitatnatural;
[28] população de espécies introduzidas no território nacional, ainda que domesticadas, capazes de se autoperpetuarem naturalmente nos ecossistemas ehabitatsbrasileiros;
[29] material de propagação vegetal ou de reprodução animal de qualquer gênero, espécie ou cultivo proveniente de reprodução sexuada ou assexuada;
[30] envio de amostra que contenha patrimônio genético para a prestação de serviços no exterior como parte de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico na qual a responsabilidade sobre a amostra é de quem realiza o acesso no Brasil;
[31] pessoa natural que utiliza variedades tradicionais locais ou crioulas ou raças localmente adaptadas ou crioulas e mantém e conserva a diversidade genética, incluído o agricultor familiar;
[32] variedade proveniente de espécie que ocorre em condiçãoin situou mantida em condiçãoex situ, composta por grupo de plantas dentro de um táxon no nível mais baixo conhecido, com diversidade genética desenvolvida ou adaptada por população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional, incluindo seleção natural combinada com seleção humana no ambiente local, que não seja substancialmente semelhante a cultivares comerciais;
[33] raça proveniente de espécie que ocorre em condiçãoin situou mantida em condiçãoex situ, representada por grupo de animais com diversidade genética desenvolvida ou adaptada a um determinado nicho ecológico e formada a partir de seleção natural ou seleção realizada adaptada por população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional.
[34] Órgão colegiado de caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal, responsável por coordenar e elaborar a implementar políticas para a gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios.
[35] Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos. Segunda Edição, São Paulo, Saraiva, p. 98-103
[36] Artigo denominado DO AVANÇO DO MARCO LEGAL PARA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL (EXCETO EM RELAÇÃO AO ACESSO AO PATRIMONIO GENÉTICO) publicado na obra BIODIVERSIDADE E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS, organizado por Simone Nunes Ferreira e Maria José Amstalden Moraes Sampaio, pg. 215, Editora SBPC.
[37] “Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.”
[38] Conforme já dissemos no artigo “Primeiras Impressões sobre o PL n° 7735/2014 que dispõe sobre o Acesso ao Patrimônio Genético, Conhecimento tradicional associado e repartição de benefícios”, publicado na Revista da ABPI sob n.° 132, fls. 52 e seguintes.
[39] INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.