Especial: Brasil tem o maior mercado de perfumes do mundo
Marilyn Monroe mexeu com a imaginação e o olfato da humanidade ao declarar a um jornalista, em 1955, que usava apenas três gotinhas (há quem diga que ela respondeu cinco) de Chanel nº 5 para dormir. A sedutora resposta eternizou a fragrância, a primeira lançada pela maison em 1921, de tal forma que hoje ela é considerada a mais vendida da história. O mercado, contudo, pode produzir notícias tão surpreendentes quanto a visão de miss Monroe nua e perfumada.
Em entrevista à FORBES Brasil, Artur Grynbaum, CEO do Grupo Boticário e sócio da companhia ao lado do fundador Miguel Krigsner, arrisca que a colônia Acqua Fresca, lançada por sua companhia em 1978, seria a segunda mais vendida do mundo. Ninguém sabe ao certo o número exato de frascos vendidos por todas as marcas em todo o mundo ao longo das últimas décadas, mas há palpites no mercado de que, por um determinado período da história, o item criado no Paraná transformou-se em um estrondoso best-seller. Seria exagero acreditar que o jovem Brasil, praticamente um bebê frente a mestres da perfumaria como são os franceses, os alemães e os italianos, iria tão longe? Não, se pensarmos que o país é o maior consumidor de fragrâncias do globo. Somente em 2014, os brasileiros deverão desembolsar quase R$ 16 bilhões com perfumes. Trata-se de um negócio de margens fartas que cresceu por volta de dois dígitos por ano, nos últimos cinco anos, tendo registrado um salto de 19,2% em 2013, pontua João Carlos Basilio, presidente da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).
Para entender o fenômeno do perfume é preciso, primeiro, analisar os números referentes à higiene pessoal. Só em xampu, sabonete, condicionador e desodorante, o brasileiro gastou nada menos que US$ 17 bilhões no ano passado, liderando o mercado mundial de desodorantes e vice-liderando as categorias de produtos para cabelos e banho. Dizem tratar-se de herança das nossas origens indígenas e africanas, que têm raízes profundas na higiene (banho) e também na perfumação do corpo e da alma. “Banhos de ervas, cheiros naturais, uso abundante de águas perfumadas e a lavanda (também conhecida como alfazema) são hábitos de perfumação próprios da brasileira. Em nenhum outro país do mundo se vende tanto perfume com mais de 100 ml e sem válvula pump – itens de baixo valor e perfumação suave”, conta a especialista em perfumes Renata Ashcar, curadora do Museu de Perfumes em São Paulo e autora de seis livros sobre o assunto.
Terceiro maior mercado mundial de beleza e higiene pessoal, atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão, o Brasil conseguiu, há quatro anos, um feito: tornou-se o maior consumidor de perfumes do globo (mas ainda é o 10º do mundo em fragrâncias internacionais premium), deixando os Estados Unidos para trás, e atraiu para si todos os olhares dos grandes conglomerados mundiais da perfumaria, como a L’Oréal, Coty, LVMH, Estée Lauder, Chanel e Puig. Todos eles e mais algumas centenas de marcas, desde as populares até as de alto luxo, lançaram 1.432 fragrâncias no mundo em 2013, segundo o especialista Michael Edwards, responsável pela catalogação em seu site Fragrances of the World. Há dez anos, eram lançadas 581 e isso sem contar os perfumes brasileiros, que não estão totalmente indexados em seu guia.
E para onde os grandes criadores de fragrâncias miram? Além dos Estados Unidos, o maior comprador de perfumes de luxo do mundo, da Ásia e seu fascínio crescente pelo consumismo e do abastado Oriente Médio, todos olham para o Brasil. É neste país tropical com mais de 200 mi- lhões de habitantes e pelo menos um perfume presente na vida de 89% da população (segundo a Abihpec) que serão gastos exatos R$ 15,9 bilhões neste ano ante os R$ 15 bilhões de 2013 e os R$ 13,4 bilhões de 2012. Este número inclui água de colônia, água de banho, body splash, eau de toilette e eau de parfum, todos nas versões feminina, masculina ou unissex, nacionais e importados. Vale explicar que o levantamento exclui as lojas do duty free e os sites de procedência duvidosa que entregam no país.
Os rótulos internacionais como Armani, Versace, Dior, Gucci, Lancôme, Hermès, YSL e Calvin Klein são muito aspiracionais para a população. No entanto, por conta da alta tributação e dos poucos pontos de vendas de importados fora do eixo Rio-São Paulo, 93% do mercado brasileiro de perfumes concentram- se nas mãos de fabricantes locais. Desses, quase 60% são de O Boticário e Natura, os grandes líderes da categoria.
A virada do Boticário ocorreu em 2013, após anos (para não falar décadas) tentando conquistar a liderança do maior mercado mundial de perfumes, historicamente nas mãos da Natura. O negócio criado no centro de Curitiba (PR) em 1977 fechou 2013 com uma receita de R$ 7,3 bilhões (por volta de metade desse montante vem da venda de fragrâncias) e 28,7% de market share no mercado brasileiro de perfumes. A Natura chegou ao final de 2013 com uma participação de mercado de 27,6%. A Avon é a terceira do ranking, com uma fatia de cerca de 15% do mercado, seguida pela Jequiti com 10%.
A Natura, no entanto, contesta o resultado e garante que é líder do mercado há mais de 15 anos, de acordo com os institutos de pesquisa Euromonitor e Kantar Worldpanel e pelo Sipatesp (Sindicato da Indústria de Perfumaria de Toucador no Estado de São Paulo). A fabricante sediada em Cajamar (SP) tem 24 marcas de fragrâncias, como Humor, Biografia, Kaiak, UNA, Ekos, Tododia e, mais recentemente, #urbano e Luna.
Denise Coutinho, diretora de unidade de Negócios de Perfumaria da Natura, afirma que a concorrência fez uma interpretação dos dados do Euromonitor com base em resultados parciais, excluindo os produtos infantis do dado total da categoria de perfumaria. A metodologia utilizada pelo instituto de pesquisa, porém, contabiliza separadamente as vendas de perfumaria de bebê e criança (até 12 anos), que atingiram R$ 316 mi- lhões no Brasil em 2013. Nessa subcategoria, a Natura nada de braçada com a linha Mamãe e Bebê, sem álcool. Se somadas essas vendas, a participação da Natura passaria para 28,3%, e a do Boticário ficaria em 28,1%, segundo simulação não oficial dos dados do Euromonitor.
O instituto de pesquisa, no entanto, mantém a separação entre perfumaria infantil e femininas/masculinas/unissex. Neste caso, levando em consideração a perfumaria acima de 12 anos, O Boticário superou a concorrência. Mas como Grynbaum conseguiu chegar lá? Sua capilaridade faz a diferença: são mais de 3,7 mil lojas em 1,7 mil municípios brasileiros. O rol de produtos também é amplo: mais de 100 itens de perfumaria. Se contar o grupo todo e incluir outras marcas como Eudora e Quem disse, Berenice?, o número sobe para 150. Isso tudo impulsionado por investimentos em inovação e verba de marketing.
“Para alcançar a liderança, O Boticário investiu muito em campanhas e promoções de marketing ao longo de 2013, fez apostas agressivas em promoções, manteve-se intensivamente presente na televisão e lançou muitos produtos como Make B Eau de Parfum e a fragrância Coffee Passione para homens e mulheres”, mostra um trecho do relatório do Euromonitor.
Marcela Viana, analista responsável pela indústria de higiene e beleza do instituto de pesquisa, acrescenta que a companhia conseguiu conquistar a participação perdida por marcas menores que tropeçaram no quesito distribuição, demorando demais para chegar às mãos da consumidora. “A promoção que fizeram no final do ano, com descontos entre 20% e 40% nas fragrâncias, foi a cereja do bolo do crescimento do Boticário”, observa Marcela.
Como se compra um perfume? Primeiro se compra com os olhos e, depois, com o nariz. Esse é o mantra de Grynbaum. “As mesmas casas de fragrância que desenvolvem os melhores perfumes do mundo são as que criam os nossos produtos. Quem desenha Bvlgari desenha O Boticário”, garante o empresário. Ele lembra que o enorme abismo entre os nacionais e importados, algo muito perceptível antes da abertura do mercado (em 1990), desapareceu.
Segundo estudo divulgado pela Givaudan, casa de perfumaria suíça, ao contrário do passado, quando o Brasil era considerado seguidor de tendências em perfumaria fina internacional, o país agora desponta como fonte de inspiração para o mundo, graças às raízes, sementes, folhas e frutos, comuns aos nossos olhos, mas considerados exóticos aos estrangeiros. A Givaudan afirma que a perfumaria brasileira está passando por um processo de “premiunização”. Isso significa que as usuárias das águas e splashes, usadas em abundância e ainda desejáveis em diversas áreas do país (caso do Norte e Nordeste) começam a experimentar novas formas de perfumação, como as deo colônias (equivalentes às eau de toilette e eau de parfum), inserindo-se assim num mundo mais luxuoso.
Foi assim que, há dez anos, surgiu Malbec, atualmente o perfume mais vendido de O Boticário, com quase 30 milhões de frascos comercializados, segundo Miguel Krigsner. O mercado comenta que ainda são vendidos 4 milhões de frascos por ano. De acordo com o Kantar Worldpanel, esta é a fragrância mais presente no lar brasileiro. Seu comprador é o homem de 30 a 35 anos, das classes A a C. Mas de onde vem tamanho sucesso? Grynbaum atribui o desemprenho à “sofisticação e exclusividade do produto, o único no mundo produzido a partir do mesmo processo de fabricação do vinho e criado a partir da união de um enófilo, um aromista e um perfumista”.
Acqua Fresca ainda vende bem, mas não está mais entre os best-sellers. “O mercado evoluiu e outras fragrâncias e tendências vieram, caso do Malbec e de Floratta, o masculino e o feminino mais vendidos da rede de lojas hoje”, conta Grynbaum.
Mas como fica o Brasil daqui para frente? As casas de fragrância e os fabricantes de perfumes acreditam que nem mesmo a inflação alta e o PIB baixo deverão tirar o rastro de liderança que o país conquistou no mercado mundial de perfume. “A previsão é a de que o Brasil continue no topo do ranking pelos próximos anos, até porque a fragrância é o item preferido na hora da compra e, se tiver que escolher, o brasileiro vai cortar um produto de skincare (para a pele do rosto) que, além de considerar caro, não apresenta efeito imediato”, acredita a analista Marcela.
Mas, apesar de tudo, os líderes do mercado nacional precisam ficar atentos. Mesmo com impostos pesados, os perfumes importados, principalmente de marcas bem conhecidas, devem conquistar mais espaço no país, até porque ter um frasco de grife é uma aspiração da classe média brasileira. Para Renata Ashcar, o mais difícil não é lançar, mas vender.
A distribuição é o ponto-chave da questão e aí são necessárias boas parcerias. “Na Europa, por exemplo, está em alta a perfumaria de nicho, perfumes exclusivos de autores baseados num tema diferenciado e numa qualidade melhor de ingredientes. São perfumes com valores bem acima da média, cerca de 200 euros por um frasco. Considerando esse valor e a realidade tributária no Brasil, a venda no país seria muito restrita. Fora isso, os novos consumidores brasileiros ainda estão no processo de conhecer as grandes marcas internacionais e se habituar a elas antes de qualquer outro passo maior”, analisa.
Hoje, o Brasil ainda é um país que consome prioritariamente colônias. Uma das explicações, além do clima e da preferência por itens de alto frescor, é a tributação. “No Brasil há de fato uma forte concentração de água de toilete e água de colônia pelo fato de que a alíquota de IPI desses itens é de 12%, enquanto na perfumaria é de 42%”, explica Basilio, da Abilipec.”
A concentração média no Brasil não ultrapassa os 10% de fragrância. São raros os casos de perfumes nacionais (eau de parfum), a exemplo de Lily Essence ou Zaad, de O Boticário, ou Natura Una”, explica Renata. Ela define o mercado brasileiro como bastante popular e muito distante do perfume de nicho. Por isso, o Brasil ainda é o décimo no ranking dos maiores compradores de fragrâncias internacionais premium.
Isso, no entanto, não significa que o perfume brasileiro esteja aquém do importado. “Seu design não deixa nada a desejar aos importados. Em relação à qualidade da essência, menos ainda, pois os mesmos produtores das grandes marcas internacionais como IFF, Symrise, Firmenich ou Givaudan são também os fornecedores da indústria local”, observa Renata. O que ela defende é o desenvolvimento do consumidor emergente, que ainda precisa conhecer o DNA das grandes marcas como Chanel, Dior, Calvin Klein, Dolce & Gabbana etc.
Aí a vontade de ter uma grande marca internacional esbarra na realidade econômica e tributária brasileira, que não permite grandes voos para nomes de alcance global. Para piorar, o Brasil ainda tem sérios problemas de distribuição. “Perfumarias finas, não devem existir mais de 200. E se pensarmos nas principais marcas de moda do Brasil, que deveriam ter hoje seus perfumes como fazem as grifes internacionais, fica fácil entender por que ainda não se arriscaram nessa seara”, diz Renata.
É por isso que o caminho escolhido pela maior parte da população para compra de perfumes importados é o aeroporto, seja para compras no exterior ou no duty free. Varejistas como as Lojas Renner avançam no negócio, a partir da venda parcelada de fragrâncias importadas. Até o site do Magazine Luiza está vendendo perfumes importados. A chegada da megarrede de perfumaria francesa Sephora ao Brasil, com 13 lojas em operação, também tem chacoalhado o mercado. A rede vêm trazendo marcas nunca vendidas no país e também tem uma forte operação de vendas pela internet.
De forma geral, Denise conta que a penetração do perfume não sobe tanto. O que ocorre, no entanto, é um efeito de trade-up. “Ou seja, a migração de produtos mais baratos para aqueles mais sofisticados e caros. Essencial, da Natura, é nossa marca mais premium de perfumes e a que mais cresce em vendas”, revela a executiva.
Neste ano, a Natura tem se movimentado de forma rápida e agressiva. Primeiro, lançou a marca #urbano, direcionada ao público masculino que vive nas grandes capitais. A marca Kaiak, também da Natura, é muito forte entre homens e mulheres, mas tem muita conexão com o esporte, situação que levou a fabricante a perceber a oportunidade de criar o #urbano. Para o público feminino, a Natura lança em outubro a marca Luna, que trabalhará conceitos como sensualidade da mulher e um novo caminho olfativo, com jeito abrasileirado.
Até aqui, a disputa entre os maiores nomes nacionais do mercado perfumista tem sido dificílima – e nada indica que haverá algum refresco pela frente. Seja qual for o vencedor em 2014, se Natura ou O Boticário, o primeiro lugar será decidido por uma diferença mínima, como ocorre nas disputas esportivas mais emocionantes. É hora de fazer sua aposta.
Fonte: Forbes