Fungo em alga da Antártida mostra atividade antimicrobiana e efeito protetor contra radiação solar
Um fungo que vive associado a uma alga encontrada nas águas da Antártida mostra potencial antimicrobiano, além de combater doenças como a leishmaniose e apresentar efeito fotoprotetor.
A descoberta aconteceu em pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, que avaliou a atividade biológica do fungo Aspergillus unguis, obtido a partir da alga Palmaria decipiens. O estudo identificou substâncias que apresentam atividade leishmanicida frente o parasita Leishmania braziliensis, que causa a doença, e também protegem a alga dos efeitos nocivos dos raios solares.
A coleta da alga ocorreu na Ilha Robert, na Antártida, pertencente ao arquipélago das Ilhas Shetland do Sul, entre as Ilhas Nelson e Greenwich. “O fungo é endofítico, ou seja, habita os espaços intra e intercelular de um hospedeiro, no caso, a alga Palmaria decipiens, encontrada nas águas da região”, conta a pesquisadora Verônica Rego de Moraes, responsável pelo estudo. “Em laboratório, fragmentos da alga foram colocados numa placa com meio propício para o crescimento de micro-organismos. Posteriormente, foi feito o isolamento da colônia do fungo e sua identificação.”
A pesquisa está inserida no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), do governo federal, gerido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que tem presença no continente antártico. O fungo foi objeto de avaliações biológicas desde o extrato bruto, passando pelas frações obtidas e chegando até as substâncias isoladas, de modo a identificar quais apresentam atividade biológica. “Como a resistência a antibióticos está cada vez mais presente no cotidiano, a atividade antimicrobiana foi analisada, pois há interesse em encontrar novas moléculas que sejam efetivas contra os mais diferentes tipos de micro-organismos”, diz Verônica.
“Por meio do ensaio foi verificada a atividade leishmanicida, pois além da leishmaniose ser uma doença negligenciada, o parasita desenvolveu resistência ao tratamento de primeira linha, que pode ainda causar complicações cardíacas”, destaca a pesquisadora. “Também foi pesquisada a atividade de fotoproteção, já que o continente Antártico é o mais exposto à radiação ultravioleta dentre todos os continentes, por isso acredita-se que os micro e macro-organismos desse ambiente produzam substâncias capazes de protegê-los contra possíveis danos solares.”
Proteção
Os pesquisadores isolaram três substâncias da classe das depsidonas, duas já conhecidas na literatura e uma que ainda se encontra em processo de identificação. “As depsidonas são encontradas principalmente em liquens, mas também em algumas plantas e fungos, onde têm a função de proteção contra insetos e micróbios ou luz solar”, relata Verônica. “Estas duas substâncias são bem relatadas na literatura científica, em especial quanto ao seu potencial antimicrobiano, em especial em relação à bactéria Staphylococcus aureus, causadora de infecções, principalmente de pele. Ambas as substâncias também apresentaram atividade leishmanicida, até agora não registrada pelos cientistas.”
De acordo com a pesquisadora, uma das substâncias foi considerada não fototóxica, o que também não é relatado na literatura. “Outras frações obtidas durante o processo de isolamento também apresentaram resultados positivos, principalmente em relação ao potencial leishmanicida”, aponta, “sendo assim um ponto de partida para o isolamento de outras substâncias que possam ser biologicamente ativas”. O fungo Aspergillus unguis é descrito na literatura como uma fonte importante para a produção de compostos bioativos, como anti-inflamatória, aspergillusidonas sequestradoras de radicais e atividade de inibidores de aromatase.
“As aspergillusidonas inibem as espécies reativas de oxigênio (ROS). As ROS têm um papel essencial no início do câncer, quando em altas concentrações, provoca danos ao DNA levando à carcinogênese”, observa Verônica. “A enzima aromatase é responsável pela conversão de andrógenos em estrogênios e é usada como alvo terapêutico para o tratamento do câncer estrógeno-dependente, como o câncer de mama”.
O fungo também é responsável pela produção da β-glucosidase, que tem papel fundamental na conversão de biomassa de celulose para etanol. A pesquisa foi realizada no Laboratório de Química Orgânica do Ambiente Marinho (NPPNS) da FCFRP e é descrita na dissertação de mestrado de Verônica, orientada pela professora Hosana Maria Debonsi, do Departamento de Física e Química da FCFRP. O trabalho teve a colaboração do professor Pio Colepicolo Neto, do Instituto de Química (IQ) da USP, coordenador do Proantar, e da professora Marcia Graminha, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), responsável pela análise da atividade leishmanicida do fungo.
Na FCFRP, o estudo sobre a atividade antimicrobiana do Aspergillus unguis foi realizado sob a supervisão da professora Niege Furtado, do Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas, e as análises sobre a atividade de fotoproteção e a fototoxicidade foram supervisionadas pela professora Lorena Cordeiro, do Departamento de Ciências Farmacêuticas.
Mais informações: e-mail [email protected],com, Verônica Rêgo de Moraes.
Fonte: Jornal da USP