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Cosmetic Innovation - Know More. Create More.Ciência e TecnologiaPeles artificias viram alternativa para teste de cosméticos em animais

Peles artificias viram alternativa para teste de cosméticos em animais

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Materiais são produzidos com técnica de impressão 3D, que avança no país

Visto de cima, o aparelho parece uma fita cassete usada em gravadores antigos. A diferença é que, em vez de dois buracos, pode ter três ou quatro. Cada um deles guarda tecidos humanos reconstruídos –pele, intestino e fígado. Um líquido com nutrientes e oxigênio que circula entre os orifícios simula a corrente sanguínea e faz cada tecido funcionar como miniórgãos ligados entre si.

Testado em outros países por empresas de cosméticos e farmacêuticas para avaliar a toxicidade de seus produtos em desenvolvimento, o dispositivo chamado de human-on-a-chip ou body-on-a-chip (BoC) está ganhando espaço também no Brasil. A técnica de impressão 3D, usada para preparar os tecidos de pele e intestino (o de fígado ainda é produzido manualmente), também tem sido empregada experimentalmente para outras finalidades.

“Aplicamos o ingrediente que queremos testar sobre a pele reconstituída e avaliamos sua toxicidade, simulando o funcionamento do corpo humano”, explica a bióloga Juliana Lago, pesquisadora da área de avaliação pré-clínica da Natura, fabricante de cosméticos que adotou essa tecnologia no primeiro semestre de 2023.

Importado de uma empresa alemã, o BoC se soma a outras técnicas usadas desde 2006 para substituir os testes de segurança e eficácia de produtos de beleza, higiene pessoal e perfumes com cobaias animais, proibidos em março de 2023 pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Além de indicar eventuais danos causados por agentes externos, os tecidos que preenchem as cavidades do chip reproduzem algumas funções dos próprios órgãos.

“O minifígado produz bile [líquido amarelo-esverdeado que facilita a absorção de gorduras e vitaminas] e realiza todos os processos de desintoxicação, enquanto os dois tipos de células do intestino formam uma barreira com epitélio [camada externa] e liberação de muco [líquido gelatinoso branco ou amarelado que facilita a eliminação das fezes]”, descreve a bióloga Ana Carolina Figueira, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de Campinas. Ela coordenou o projeto de uso integrado do chip com os outros tecidos, em colaboração com a Natura.

Em 2023, o CNPEM licenciou a tecnologia de produção e os direitos de comercialização dos tecidos de fígado e intestino para a startup 3D Biotechnology Solutions (3DBS), também de Campinas. Em troca, além de pagar royalties, a empresa ajudou a aprimorar o processo de produção dos tecidos de intestino por bioimpressão 3D e repassou o modo de produção das peles humanas.

A PRODUÇÃO DOS TECIDOS ARTIFICIAIS

Na 3DBS, o tecido de intestino é feito a partir de células compradas do Banco de Células do Rio de Janeiro (BCRJ), e a pele é produzida a partir de células humanas isoladas de tecidos resultantes de cirurgias de fimose (retirada do excesso de pele sobre o pênis) em crianças atendidas em um hospital de Santa Bárbara D’Oeste, interior paulista.

“As células descartadas da cirurgia em crianças produzem com rapidez o colágeno do tipo I, uma proteína da qual precisamos, por dar resistência e elasticidade à pele”, explica a bióloga Ana Luiza Millás, diretora de pesquisa da empresa.

Uma solução com diferentes tipos de células é a matéria-prima trabalhada nas chamadas bioimpressoras, que criam estruturas tridimensionais com células vivas, moléculas e materiais biocompatíveis. Nesse caso, em vez do material plástico injetado por uma impressora 3D convencional para criar um objeto, uma seringa despeja uma mistura de células com uma solução de colágeno, por exemplo, sobre uma placa transparente com divisões internas, como as usadas para formar gelo no congelador. Um computador envia à máquina as informações sobre as dimensões e o formato do tecido a ser construído camada a camada.

O tecido de intestino reconstruído forma uma camada circular de 12 milímetros (mm) de diâmetro nos compartimentos da placa, depois mantida em uma incubadora a 37 graus Celsius (ºC) durante 21 dias. Nesse tempo, as células se diferenciam para formar a barreira intestinal, responsável pela absorção de nutrientes e pela produção de muco. Depois de prontos, os tecidos podem ser usados em até uma semana.

Já a solução com células da pele, assim que sai da bioimpressora precisa de 10 dias na incubadora para adquirir sua forma final de disquinhos gelatinosos rosados de cerca de 6 mm de diâmetro. “Nesse tempo as células formam cinco camadas, no modelo experimental dermoepidérmico, chamado de pele humana full. Outro modelo, mais simples, chamado de epiderme humana reconstruída (RHE), possui somente a camada epidérmica e é utilizado para testes de segurança e eficácia de cosméticos”, conta Millás.

Ela pesquisa a reconstrução de tecidos humanos desde 2010, inicialmente com o propósito de criar peles para a medicina regenerativa. Em seu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da Fapesp, ela trabalhou com substância extraída da copaíba (Copaifera langsdorffii), uma árvore nativa do país, que, quando incorporada a fibras ultrafinas, pode servir como substituto cutâneo tridimensional.

Os novos rumos da pesquisa levaram aos métodos de produção da pele por bioimpressão, desenvolvidos com especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Natura e descritos em um artigo publicado em março de 2019 na revista científica International Journal of Advances in Medical Biotechnology.

“Inicialmente produzíamos peles maiores, com o dobro de diâmetro, mas as empresas e os centros de pesquisa preferem tecidos menores, em maior quantidade e com menor custo para os testes de toxicologia”, conta a bióloga Gabriela Gastaldi, pesquisadora da 3DBS.

Os tecidos de fígado ainda são produzidos manualmente com células importadas e do banco do RJ, mergulhadas em uma solução de agarose e depositadas em moldes com 81 orifícios. Após cinco dias na incubadora, as células se aglomeram formando agregados circulares de células, os chamados esferoides, com cerca de 300 micrômetros (µm) de diâmetro, visíveis a olho nu.

Como a venda desses tecidos pela empresa começou em 2022, 80% do faturamento provém das bioimpressoras e equipamentos de eletrofiação, produzidas desde 2018 na oficina da 3DBS em São Paulo.

A 3DBS também distribui no Brasil os chips e as bombas que fazem circular os nutrientes, fabricados desde 2019 pela empresa alemã Tissue- Use, da qual é representante no Brasil.

“Apostamos no crescimento do uso dos tecidos e dos chips em vista da necessidade de padronização dos testes de toxicidade e das outras aplicações possíveis, que começam a ser descortinadas”, observa o administrador de empresas Pedro Massaguer, diretor de estratégia e inovação.

OUTRAS APLICAÇÕES

No Senai Cimatec, em Salvador, na Bahia, a engenheira de materiais Josiane Barbosa utiliza uma bioimpressora da 3DBS para testar diferentes formulações de carnes produzidas a partir de células bovinas ou de proteína vegetal. “A bioimpressão facilita o processo de reprodução de produtos com as dimensões e a geometria necessárias. Também ajuda na adesão das células, devido à deposição em camadas, algo mais difícil de fazer com técnicas manuais”, observa.

No começo de outubro, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, transformou ingredientes vegetais, como farinha de soja, feijões-fava e grão-de-bico, em análogos de filés de peixe. Se for bem-sucedida, essa pesquisa poderá resultar em novos alimentos, voltados principalmente para os mercados vegetariano e vegano.

Há outros avanços nessa área. Em um estudo publicado em outubro na Science Advances, pesquisadores brasileiros e norte-americanos relataram o desenvolvimento de tecidos de pele com estruturas semelhantes a folículos capilares por meio da bioimpressão. Se avançar, essa técnica poderá fornecer células capazes de ajudar no tratamento de ferimentos ou em enxertos, já que são as células da base dos folículos que iniciam a cicatrização.

 

 

 

 

Fonte: Folha de São Paulo 01.02.2024

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