Entrevista com a mestre Perfumista Emilie Coppermann
Emilie Coppermann descobriu sua paixão por fragrâncias muito cedo, quando tinha apenas 13 anos. Neste momento, ela descobriu também que queria viver em um universo harmonioso e perfumado. Estudou na ISIPCA – famosa escola de Perfumaria na França especializada em formar perfumistas – e, em 2017, com mais de 20 anos na profissão, foi premiada pelo Fifi Awards NY.
Alessandra Tucci, especialista em perfumes e CEO da Perfumaria Paralela, única escola de perfumaria do Brasil e consultoria boutique, representante exclusiva no país da renomada escola francesa de perfumaria Cinquième Sens, entrevistou Emilie e divide com exclusividade os melhores momentos do bate-papo.
- Como foi sua trajetória na perfumaria? O que significa ser reconhecida por criações icônicas para o mercado de luxo?
Desde pequena, eu amava sentir o cheiro das coisas, e quando eu tinha 13 anos, conheci um perfumista. Eu não tinha ideia que esta profissão existia. Na nossa conversa, ele me contou sobre o seu trabalho, rotina, desafios, sobre o contato diário com inúmeros ingredientes, e, desde então, eu soube exatamente o que eu queria fazer da minha vida profissional!
Com 15 anos, eu enviei uma carta para a escola de perfumaria de Versailles contando sobre o meu desejo de estudar perfumaria. Eles me orientaram a voltar em quatro anos, depois de estudar química, e foi exatamente o que eu fiz.
Durante os estudos na ISIPCA, fiz estágio na casa de fragrâncias Florasynth, fui contratada por esta companhia assim que terminei minha graduação. Tive a sorte de ser treinada por Dominique Ropion e Jean-Louis Sieuzac e hoje, após 25 anos trabalhando nesta indústria, sigo na mesma companhia que hoje é a Symrise. Eu me sinto muito honrada com o prêmio que ganhei recentemente. Eu tive a sorte de conhecer pessoas que acreditaram na minha personalidade e que sempre me incentivaram a acreditar em mim.
- Com 25 anos de trajetória neste mercado, como você descreveria a sua identidade criativa?
Não estou certa se chamaria de identidade criativa, mas sim de estilo, um jeito próprio de olhar. Quando estou criando, procuro surpreender as pessoas com algo que elas não esperam. Por exemplo, gosto de criar uma fragrância feminina sem usar nenhuma flor, ou uma colônia começando com um acorde quente e especiado e depois desconstruí-lo aos poucos em uma colônia leve e feminina.
Me inspiro, por exemplo, no estilo Yves Saint Laurent de criar. Ele que desafiou a barreira entre o feminino e o masculino, e que na década de 60 transformou referências masculinas, como o smoking, em peças muito femininas, modernas e elegantes, reinterpretadas até hoje. Essa fluidez entre os gêneros me inspira, especialmente com as madeiras, meus maiores sucessos começaram com as madeiras. O perfume 212 VIP Men é um exemplo. Trabalhei com o perfumista David Apel ao redor da king wood, uma madeira da Amazônia. Trabalhamos juntos também no perfume Poppy Soma, ele em NY e eu em Paris, e juntos fomos premiados na categoria Perfume Extraordinaire do Fifi Awards 2017. É na troca de ideias, de emoções e percepções que evoluo, isso me alimenta.
É sempre sobre as relações. É importante para mim compartilhar com as pessoas que trabalho.
- Você observa o mercado de luxo com muitas peculiaridades? Você sente mais exigência e cobrança no processo criativo?
O jeito que eu crio é sempre o mesmo, a diferença está no consumidor. Quando o projeto é da perfumaria de nicho, eu sei que posso ir além, criar fragrâncias diferentes e arriscar mais, porque as marcas vão concordar e os consumidores esperam por isso.
- Criar, inovar e inspirar são verbos que movem a indústria e as pessoas. Como você “mantém essa chama acesa” após tantos anos de profissão?
O mercado mudou muito desde que eu entrei. No início da minha carreira eram cerca de 50 lançamentos por ano. Hoje, são mais de 3.000. Vejo também que o consumidor está mais interessado, mais informado e exigente. Se uma marca diz que usou determinado ingrediente na fórmula de um perfume, ele espera poder perceber o efeito olfativo do ingrediente quando sente a fragrância.
Além das mudanças do mercado e do consumidor, há também uma nova realidade global, hoje eu trabalho projetos globais – América Latina, China, Estados Unidos – e mesmo estando em Paris, preciso ficar atenta às movimentações e às preferências de cada cultura. Por isso, viajo muito e ressalto novamente a importância da troca. Eu já trabalhei com perfumistas de diversas partes do mundo, Maurice Roucel, JC Ellena, Dominique Ropion, Lucas Sieuzac, e nós trocamos percepções em cada projeto que fizeram o resultado final dar certo, é um processo complexo e muito enriquecedor.
Outro grande fator de mudança na perfumaria é a preocupação com a sustentabilidade. São novos modelos de fornecimento responsável de matérias-primas da perfumaria, ingredientes trabalhados com respeito e com o expertise das comunidades envolvidas do plantio à colheita, como, por exemplo, o projeto da Vanilla de Madagascar da Symrise. Hoje, como perfumista, estou mais próxima das pessoas que cuidaram da Vanilla até ela chegar na minha paleta para criar um próximo perfume, e isso é absolutamente fascinante.
Acredito que tenho motivos de sobra para manter a chama acesa, são inúmeras inovações e mudanças que acontecem o tempo todo e que precisamos incorporar. Tudo é muito dinâmico!
- Quero aproveitar esse espaço para ouvir de você um pouco sobre a capacidade do perfumista de captar as nuances de seu público. Como se conectar com a intuição feminina? O que faz você se conectar com a feminilidade e embalá-la em sucessos perfumados?
Eu sou muito sensitiva e procuro ter uma relação com as pessoas que trabalham comigo. É muito importante para mim ter essa conexão com as pessoas, me deixa inspirada, eu não gosto de trabalhar sozinha, como já disse. O trabalho de um perfumista é duro porque, querendo ou não, é sempre uma competição de quem ganha a “melhor fragrância”. Então, quando perdemos, temos que seguir em frente e continuar positivos. É como disse o Mandela: “Eu nunca perco, ou eu ganho ou aprendo”.
- Quais foram os grandes momentos da perfumaria que você vivenciou durante a sua jornada até hoje? E sobre o futuro, o que esperar?
Um dos momentos que eu mais gosto nesta profissão é quando eu vejo a reação das pessoas ao sentirem as modificações que eu fiz em uma fragrância. Quando eu consigo traduzir o que elas estavam buscando, a expressão delas se ilumina de satisfação. Ou quando tenho uma ideia, escrevo uma fórmula e quando avalio, sinto exatamente o que eu tinha em mente. Talvez ninguém goste, mas era isso exatamente o que eu estava imaginando. É uma satisfação muito pessoal. E claro, quando eu ganho os projetos… você vira rainha por um dia (risos).
- Como preparar alguém como você? Existe muita curiosidade em saber como é a vida de uma perfumista… estudos, inspirações, referências, quais são as fontes que te alimentam?
Eu viajo muito, desde pequena, todo ano eu vou para algum lugar. Já fui muitas vezes para o Brasil, Colômbia, Venezuela, Ásia. Viajar é realmente uma ótima fonte de inspiração. Além disso, tenho sempre um caderno de anotações para registrar as minhas percepções olfativas e relembrar as memórias dos lugares que visitei.
Você precisa manter o seus sentidos atentos porque tudo pode ser fonte de inspiração. Desde um drink especial, um jantar, o perfume de uma pessoa, a natureza, a inspiração para minha próxima criação pode vir de onde menos se espera e é uma busca constante.
A curiosidade e admiração pela profissão são aspectos bonitos de ser uma perfumista. Me lembro do dia em que um dos meus filhos chegou em casa contando que um de seus colegas de classe perguntou para ele: “Você é o filho da Emilie Coppermann?” e meu filho respondeu “sim”. O garoto disse que queria ser perfumista e que me conhecia da imprensa. Neste dia, pude perceber como meu filho ficou orgulhoso. Minha família, meus quatro filhos e meu marido, com certeza são uma das fontes que mais me alimentam e me inspiram.
Mas faço questão de frisar que é preciso trabalhar duro para ser perfumista, por isso me identifico muito com a frase atribuída ao Einstein: “O único lugar onde sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”. Os jovens precisam ter muito claro esta noção de compromisso e dedicação antes do glamour.
- Uma frase ou dica para os profissionais de perfumaria?
Você precisa conhecer as regras como um profissional, para poder quebrá-las como um artista.