Por que ainda é tão difícil reciclar embalagens de produtos de beleza?
Quantas embalagens de produtos cosméticos você tem na sua penteadeira ou armário do banheiro? É provável que sua resposta seja “muitas”, considerando que, anualmente, são produzidas cerca 151 bilhões de embalagens – a maioria de plástico – pela indústria da beleza mundial, de acordo com o analista de pesquisa de mercado Euromonitor. E, infelizmente, a maior parte dessas embalagens ainda são descartadas no meio ambiente e não passam por processos de reciclagem.
“Muitas embalagens de produtos de beleza não são projetadas para passar por um processo de reciclagem”, explica Sara Wingstrand, gerente de programa da iniciativa New Plastics Economy da Ellen MacArthur Foundation, à Vogue. “Algumas embalagens são feitas de materiais que nem mesmo têm um fluxo de reciclagem, então vão direto para o aterro”.
As principais marcas de beleza do mundo já se movimentaram para enfrentar o problema dos plásticos na indústria. A L’Oréal se comprometeu a fazer com que 100% de suas embalagens sejam recicláveis ou de base biodegradável até 2030. Já a Unilever, Coty e Beiersdorf se propuseram a garantir que suas embalagens de plástico sejam recicladas, reutilizadas ou compostáveis até 2025. Enquanto isso, a Estée Lauder se comprometeu a garantir que pelo menos 75% de suas embalagens sejam recicláveis, reutilizáveis ou refiláveis até o final de 2025.
Mas esses avanços ainda acontecem de forma lenta, especialmente porque 8,3 bilhões de toneladas de plástico derivado do petróleo já foram produzidas no mundo até hoje – 60% dos quais terminam em aterros ou no meio ambiente. “Se realmente elevarmos o nível de ambição na eliminação do lixo com alternativas de reutilização e reciclagem [de embalagens de beleza], poderemos fazer um progresso real e melhorar significativamente nosso futuro”, diz Wingstrand.
Os desafios da reciclagem
Atualmente, apenas 14% de todas as embalagens de plástico produzidas no mundo são coletadas para reciclagem – e apenas 5% desse material é realmente reutilizado, devido a perdas durante o processo de separação e reciclagem. As embalagens de beleza geralmente trazem desafios extras. “Muitas embalagens são uma mistura de diferentes tipos de materiais que dificultam a reciclagem”, explica Wingstrand, sendo as bombas – geralmente feitas de uma mistura de plástico e uma mola de alumínio – um excelente exemplo. “Algumas embalagens são muito pequenas para que o material seja extraído no processo de reciclagem.”
O CEO da REN Clean Skincare, Arnaud Meysselle, diz que não há solução fácil para as empresas de beleza, especialmente porque as instalações de reciclagem diferem muito em todo o mundo. “Infelizmente, mesmo se você for totalmente reciclável, na melhor das hipóteses você [tem] 50% de chance de ser reciclado”, disse ele por meio de uma ligação via Zoom direto de Londres. É por isso que a marca mudou sua ênfase da reciclabilidade para o uso de plástico reciclado em suas embalagens, “porque pelo menos você não está criando um novo plástico virgem”.
No entanto, a REN Clean Skincare é a primeira marca de beleza a usar a nova tecnologia Infinity Recycling em seu produto best-seller, o Evercalm Global Protection Day Cream, o que significa que a embalagem pode ser reciclada quantas vezes for necessário, usando calor e pressão. “É um plástico 95% reciclado, com as mesmas especificações e características do novo plástico virgem”, explica Meysselle. “E, além disso, pode ser reciclado infinitamente.” Atualmente, a maioria dos plásticos só pode ser reciclada uma ou duas vezes.
Claro, tecnologias como a Infinity Recycling ainda dependem que a embalagem realmente chegue às instalações certas para serem recicladas. Marcas como a Kiehl’s fazem a coleta com suas próprias mãos por meio de esquemas de logística reversa nas lojas. “Graças aos nossos clientes, reciclamos mais de 11,2 milhões de produtos globalmente desde 2009 e estamos comprometidos em reciclar mais 11 milhões até 2025”, disse o presidente global da Kiehl’s, Leonardo Chavez, por e-mail de Nova York.
Mudanças fáceis no estilo de vida, como ter uma lixeira no banheiro, também podem ajudar. “Normalmente as pessoas têm uma lixeira no banheiro onde colocam tudo”, comenta Meysselle. “Tentar [levar as pessoas] a reciclar no banheiro é importante para nós.”
Rumo a um futuro de desperdício zero
Considerando os desafios da reciclagem, é crucial entender que ela não é a única solução para o problema de resíduos da indústria da beleza. Isso se aplica a outros materiais, como vidro e alumínio, além de plástico. “Não devemos confiar apenas na reciclagem para sairmos [do problema]”, diz Wingstrand.
Mesmo os plásticos de base ecológica, feitos de produtos como cana-de-açúcar e amido de milho, não são uma solução fácil, apesar de muitas vezes serem descritos como biodegradáveis. “‘Biodegradável’ não tem uma definição padrão; significa apenas que em algum ponto no tempo, sob algumas condições, sua embalagem será degradada”, diz Wingstrand. “‘Compostável’ especifica as condições, mas os plásticos compostáveis não se degradam em todos os ambientes, então pode realmente permanecer na natureza por um longo tempo. Precisamos pensar em todo o sistema”.
Tudo isso significa que eliminar embalagens desnecessárias – o que reduz a necessidade de reciclagem e compostagem em primeiro lugar – é uma parte fundamental do quebra-cabeça. “Tirar o plástico que envolve a caixa do perfume é um bom exemplo; é um problema que você nunca cria”, explica Wingstrand.
Reutilizar a embalagem é outra solução, com os refiláveis – quando você guarda a embalagem externa e compra apenas o produto que vai dentro dela quando acaba – sendo amplamente elogiados como o futuro das embalagens de beleza. “Como um todo, vimos nossa indústria começar a abraçar a ideia de refis de produtos, que envolvem muito menos embalagens”, comenta Chávez. “Este é um grande foco para nós.”
O desafio? Atualmente, muitos refis vêm em sachês, que por si só não são recicláveis. “Você tem que se certificar de que, ao criar uma solução recarregável, você não crie um refil que seja ainda menos reciclável do que a embalagem original”, diz Wingstrand. “Então, trata-se de projetar tudo de uma vez”.
O que está claro é que não haverá uma solução mágica para o problema. Felizmente, nós, como consumidores, podemos ajudar a impulsionar a mudança exigindo embalagens mais ecológicas, pois isso forçará mais empresas a investir em soluções inovadoras. “A resposta do consumidor é incrível; temos crescido como uma startup desde que lançamos nossos programas de sustentabilidade”, comenta Meysselle, acrescentando que todas as marcas precisam se engajar para alcançar um futuro sem desperdício. “Não podemos vencer sozinhos; é tudo uma questão de vencer juntos”.
Fonte: Vogue – 09/09/20