Marcas no centro de polêmicas. Qual o preço de se posicionar?
Em um mundo comoditizado, no qual as ofertas se equiparam, o que estabelece a diferença entre as empresas são as causas que defendem e o propósito delas. Afinal, quando todos podem oferecer um mesmo produto ou serviço, o comportamento organizacional se torna um diferencial competitivo para as marcas, sendo capaz de fazer os consumidores amá-las ou odiá-las. Em uma sociedade cada vez mais engajada, que aprendeu a ir às ruas para lutar por direitos, é natural que as pessoas queiram autenticidade e esperem que as companhias tomem partido daquilo que é relevante para elas.
Esse engajamento às causas sociais foi apontado pela Trendwatching como uma das tendências para 2015 e algumas organizações estão aderindo a esta iniciativa. Mas, afinal, qual é o impacto provocado por expor as ideias? Com a internet reverberando as opiniões e as redes sociais servindo de plataforma para debates acalorados, deve-se tomar cuidado com as comunicações e estar preparado para responder os consumidores que não se sentirem contemplados. O mais importante mesmo, no entanto, é que as bandeiras levantadas façam parte das crenças da marca e que não sejam apenas oportunismo.
Empolgadas pela pauta do dia, as empresas não devem levantar bandeiras apenas para entrar na moda se não tiverem nenhum engajamento com o assunto. “Às vezes a marca se sente na obrigação de abordar certos temas porque todo mundo está falando, mas há momentos em que o silêncio também é importante e pode trazer menos prejuízo. É preciso que o assunto tenha a ver com a companhia e que tenha autenticidade, não basta fazer apenas uma campanha. Nos dias de hoje, todo mundo quer pegar carona em tudo, principalmente, nas redes sociais. Vale a pena se for uma crença da empresa, mas se ela não tem o que dizer e só quer participar de uma modinha, é melhor ficar quieta”, pontua Rodolfo Araújo, Líder da Área de Pesquisa e Conhecimento na Edelman Significa, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O Boticário causa buzz
A campanha “Casais”, lançada pelo O Boticário para o Dia dos Namorados deste ano, levantou a questão sobre qual o preço que as marcas pagam ao se posicionarem diante de temas sensíveis, que estão na pauta de discussão dos brasileiros. No comercial, a empresa de cosméticos mostrou a troca de presentes entre casais heterossexuais e homossexuais. A iniciativa ganhou grande repercussão nas redes sociais, com debates acalorados: de um lado conservadores pregavam boicote à marca e, do outro, consumidores simpatizantes ao movimento LGBT defendiam a ação, a empresa e, principalmente, o respeito à diversidade. A companhia não comenta o desempenho das vendas e o resultado da ação, mas fato é que ela deu o que falar.
O filme foi lançado na TV no dia 24 de maio, mas o debate ganhou ainda mais força na semana que antecedeu à Parada do Orgulho Gay realizada em São Paulo, no dia sete de junho. Nessas duas semanas, o vídeo no YouTube teve 3,2 milhões de visualizações, oito vezes mais do que as publicações da quinzena anterior. O levantamento é da SGC Conteúdo, que avaliou os ganhos e perdas da marca nas redes sociais. O brand channel virou campo de batalha entre os que atacavam e os que defendiam a campanha. No Facebook, O Boticário ganhou 77 mil fãs no período analisado. Nas duas semanas anteriores, a marca havia conquistado 12,1 mil novos seguidores. Já o vídeo feito pelo pastor Silas Malafaia criticando o comercial teve 519 mil visualizações no mesmo período.
Depois de tanta repercussão, a direção da empresa preferiu não comentar o assunto. Por nota, a marca comunicou que “O Boticário acredita na beleza das relações, presente em toda sua comunicação. A proposta da campanha “Casais” é abordar, com respeito e sensibilidade, a ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor – independentemente de idade, raça, gênero ou orientação sexual – representadas pelo prazer em presentear a pessoa amada no Dia dos Namorados. O Boticário reitera, ainda, que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista”.
– Leia: Conar arquiva processo contra Boticário
Polêmica na pauta
Enquanto algumas marcas levantam bandeiras discretamente, outras não têm medo de tocar em assuntos polêmicos em suas ações e fazem deles os seus propósitos. Desde o início da década de 1990, a italiana Benetton coloca o dedo em algumas feridas da sociedade sem medo de críticas. As campanhas têm o objetivo claro de impactar o consumidor e fazê-lo pensar. As mensagens contra o preconceito racial, a cultura do ódio e a exploração infantil foram apenas alguns dos temas ilustrados em peças, como as que mostravam uma mulher negra amamentando um bebê branco, crianças trabalhando na construção civil e a montagem com a imagem de líderes mundiais com posições antagônicas dando um selinho.
Presente em diversos países do mundo, a marca enxergou no posicionamento global a estratégia ideal para construir e comunicar seus próprios valores, dando visibilidade a questões humanitárias que impactam a vida dos consumidores em qualquer parte do planeta. A brasileira Duloren também não tem medo do debate e aborda temas polêmicos em suas campanhas. Com criatividade e bom humor, a marca de lingerie debate questões sociais e, na maioria das vezes, inerentes à realidade da mulher. Sem melindres, a empresa aproveitou a Copa do Mundo para dar cartão vermelho à ditadura da beleza que valoriza mulheres muito magras e estampou uma modelo gordinha de calcinha e sutiã para apresentar a coleção plus size.
A mais recente é a campanha “Transparência”, que explora o duplo sentido do termo ao unir protesto e provocação na mesma temática. As modelos aparecem segurando cartazes pedindo transparência, ao mesmo tempo em que vestem lingeries com nuances que deixam a pele à mostra, tendo as ruas no Centro do Rio de Janeiro como cenário.
A locação foi escolhida por ter sido palco de recentes manifestações, quando a população pediu mais lisura na gestão pública. “A Duloren não tem medo de se posicionar e, há mais de 15 anos, aborda assuntos polêmicos, como inclusão social, aborto, racismo, homossexualismo, temas que ainda hoje ganham repercussão nas redes. Esses temas são tratados de maneira muito natural e verdadeira, pois eles traduzem as crenças da marca. Agindo desta maneira, temos um excelente retorno das nossas consumidoras”, comenta Denise Areal, Diretora de Marketing da Duloren, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Propósitos bem definidos
Ao abordar questões relevantes sob a ótica da mulher, a Duloren empodera suas clientes e mostra que elas devem ser vistas com igualdade perante a sociedade e que seus anseios devem ser valorizados. Em 2014, a companhia foi notificada pelo Conar por desenvolver ação do Dia dos Namorados que remetia à masturbação feminina. Em cartaz, uma modelo toca o corpo em busca de prazer, valorizando o amor próprio. Apesar da imagem não ter extrapolado o limite do bom senso, a provocação gerou polêmica. Ainda assim, deixou claro o propósito da marca.
Mostrar que a causa realmente faz parte das crenças da empresa é fundamental para que o investimento ganhe aderência e a confiança do público. “Defender uma causa não é patrocinar uma ação durante um período pré-determinado e depois abandonar o tema. É preciso ter constância, um posicionamento claro, visão de médio e longo prazo e profissionalismo nas ações de comportamento empresarial, pois elas são tão estratégicas quanto outras áreas da organização como o Marketing, financeiro e logística. É preciso que haja uma correlação entre o interesse das pessoas e também com a atividade da marca, para que não fique só a ação, mas que toda a narrativa tenha sucesso”, comenta Rodolfo Araújo, da Edelman Significa.
Essa conexão entre os anseios da sociedade também está presente nas ações de Dove e é um dos fatores de sucesso da campanha “Real Beleza”, que eleva a autoestima de mulheres do mundo inteiro ao valorizar a beleza em todas as suas variações. “Desde o lançamento da marca, em 1960, Dove conta com mulheres reais em suas campanhas. Mas a partir de 2004, a ação ficou mais provocativa para o consumidor, como resposta a uma pesquisa mundial que mostrou como as mulheres se sentiam angustiadas em relação a sua própria beleza. Com o posicionamento que a marca já tinha, percebemos que existia algo a mais que podíamos fazer. Não só vender produtos de boa qualidade, mas também ajudar para que essas mulheres pudessem se sentir mais seguras com a sua própria beleza”, explica Eduardo Campanella, Diretor de Marketing de Dove, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Uma beleza de causa
Muito além de levantar a bandeira da beleza como um tema pontual, a marca de produtos de higiene pessoal da Unilever, adotou a valorização do atributo sem estereótipos como uma plataforma de comunicação e ação global. “A preocupação com a real beleza não é uma ação pontual por conta do surgimento de um debate, é um projeto da marca. Ela é tão importante que não se resume a apenas campanhas que tentem ajudar a aumentar a autoestima da mulher. A partir de uma série de estudos, criamos um programa mundial de desenvolvimento da autoestima para crianças de 7 a 14 anos, para ajudar a próxima geração a criar uma relação positiva com a aparência, crescendo livre de estereótipos de beleza”, comentou Campanella.
No Brasil, a iniciativa conta com a parceria a Federação de Bandeirantes e já impactou 10 mil crianças em 14 estados. O objetivo é que nesta fase da vida, com grande impacto na formação do ser humano, esses jovens sejam incentivados a aceitar sua beleza da forma como ela é, sem cair em estereótipos. “A marca entende que, no papel de trabalhar este assunto, não adianta só falar com a mulher na fase adulta que ela pode ser do jeito que ela é. É por isso que existe um fundo para o desenvolvimento da autoestima mundial, que realiza uma série de atividades em mais de 26 países para preparar crianças e adolescentes e ensiná-los a se valorizarem e contribuir para que sejam adultos mais seguros”, finaliza o Diretor de Marketing de Dove.
Fonte: MUNDO MARKETING