Biotecnologia tem sido alternativa para produção de cosméticos sustentáveis
Há mais de 6.000 anos a humanidade tem se beneficiado de bactérias e fungos na fermentação de bebidas alcóolicas, na preservação de produtos lácteos e na produção de alimentos como o pão e o queijo.
Usamos a biologia para resolver problemas e fazer produtos úteis muito antes de entendermos que isso viria a ser uma tecnologia, que aproveita os processos celulares e biomoleculares para desenvolver produtos que ajudam a melhorar nossas vidas e a saúde do nosso planeta. Essa dinâmica mais saudável e sustentável de produzir faz parte da biotecnologia, a qual integra as ciências naturais e bases da engenharia.
Aquela levedura que é usada para fazer pão ou a bactéria que era considerada vilã tendo seu DNA redesenhado para maximizar e direcionar o seu funcionamento na produção de moléculas para diversas aplicações, viram uma espécie de “mini fábricas”. Se reproduzindo em grandes tanques, nutridas por fontes de carbono (considere aqui açúcares), por exemplo, é possível imaginar que estamos falando de um filme de ficção científica ou de algo futurista, mas é real. De medicamentos oncológicos à tintura para jeans, esse ramo da biotecnologia, chamado biologia sintética, tem sido usado como ferramenta para desenvolvimento de novos processos produtivos e criação de moléculas completamente novas. Essa nova forma de produzir diferentes coisas, tem contribuído para uma bioeconomia e para uma medicina mais customizada e revolucionária.
Há de se ver com bons olhos esse passo que a ciência tem dado conforme fomos avançando no entendimento da função genética dos seres vivos. Há uma preocupação mundial sobre o uso de recursos não renováveis, queima de combustíveis fósseis que intensificam o efeito estufa e o aumento de microplásticos como um dos grandes vilões dos mares e destruição das florestas e de recursos naturais. Ferramentas para construir soluções já possuímos.
A comunidade científica e empresas de biotecnologia têm sido provocadas a avançar na produção de biomateriais, biocombustíveis, biofarmacos e moléculas miméticas, já existentes na natureza, para diminuir os impactos drásticos que os seres humanos têm provocado através da produção convencional. Mas ainda faltam investimentos nessa bioeconomia. Um exemplo é se os milhares de produtos químicos que fazem parte do nosso dia a dia como combustíveis e plásticos em geral fossem sintetizados por microrganismos em uma escala que todos tenham acesso, haveria acentuada redução nas emissões globais de gases de efeito estufa e consequente melhora na saúde do nosso planeta.
Outro campo que a tem se mostrado com grande potencial na biotecnologia é na área de cosmética. Por longas décadas, petrolatos e outros derivados de petróleo têm sido utilizados para produção de matéria-prima cosmética. Você provavelmente conhece esses componentes nos rótulos: vaselina, parafina líquida, óleo mineral e até silicone. São emolientes não solúveis em água, que provocam grandes impactos ambientais prejudicando a vida marinha e lençóis freáticos. No entanto, a demanda crescente por parte dos consumidores por produtos sem esses derivados, assim como a demanda por produtos “cruelty-free”, sem uso de animais, têm moldado a indústria e inovações têm acontecido.
Emolientes naturais como óleos vegetais são ótimos substitutos para petrolatos e tem cada vez mais ganhado espaço nas formulações das marcas independentes de cosméticos que se preocupam com o meio-ambiente. Já sobre matérias-primas derivadas de animais, a mudança vem acontecendo de forma inovadora. Desde startups brasileiras de biotecnologia como a Bio Breyer, que tem desenvolvido o primeiro ácido hialurônico nacional a partir de leveduras geneticamente modificadas, uma alternativa ao ácido hialurônico extraído de crista de galo, até grandes indústrias como a Amyris na produção biosintética de esqualeno, também uma alternativa ao esqualano vindo de óleo de tubarão, e que é usado como emoliente hidratante, nos produtos da Biossance, empresa do guarda chuva da Amyris que produz cosméticos cruelty-free.
O avanço desse ramo da biotecnologia tem se mostrado capaz de competir com a indústria química, que sempre foi muito imponente com suas plantas industriais, porém sem muitas inovações por mais de um século. Uma prova disso é a companhia Ginkgo Bioworks. Sediada em Boston nos EUA e com capital aberto na bolsa de Nova York. A Ginkgo usa em seu slogan “Biology by design”, um termo curto e simples em inglês para contextualizar um trabalho complexo oferecido pela empresa que é desenhar microrganismos capazes de produzir medicamentos, comida e materiais sob demanda.
Empresas que buscam inovação na área de biotecnologia se deleitam com a possibilidade de ter uma “mini fábrica” que produzirá o que há de mais diferente no mercado e de forma mais sustentável. Mas isso tem um preço e vai custar pelo menos centenas de milhares de dólares. Brasileira, a Planty beauty, por exemplo, empresa em que sou fundadora e CEO, aposta na biotecnologia para ser o caminho para uma produção de cosméticos mais limpa e de baixo impacto ambiental. Um equilíbrio entre matérias-primas naturais certificadas, que geram renda para pequenas comunidades indígenas e quilombolas e o biossintético, que possibilita escalabilidade, controle maior de qualidade, sem uso de animais no processo e sem uso de fontes não renováveis (petróleo) nos parece um bom caminho. Estamos seguindo, a caminho de um mundo mais bonito.
* Mariana Silva é Biomédica, mestranda pela Faculdade de Medicina da USP e fundadora da startup Planty Beauty
Fonte: Olhar Digital 29.07.2022