BASF lidera corrida por patentes de genes marinhos
O mar aberto está cheio de riquezas incalculáveis. E não se trata de ouro ou rubis perdidos em naufrágios, e sim de um tipo mais contemporâneo de tesouro: o DNA de milhões de criaturas marinhas.
A colheita dessa dádiva biológica já está em andamento. Cerca de 13 mil sequências genéticas de mais de 800 espécies marinhas já foram patenteadas — e pouco menos da metade de todas as patentes pertencem à companhia química alemã BASF. Essas estatísticas estarão nas discussões que terão início na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre uma questão controvertida: quem deve controlar e lucrar com a imensa biodiversidade dos oceanos?
A questão é tão ampla quanto os oceanos são fundos. Envolvem ciência de ponta, comércio e tratados e convenções internacionais, que se sobrepõem com uma complexidade aflitiva. As nações estão protegidas da biopirataria (a pilhagem de DNA de plantas e animais nativos) pela Convenção da Diversidade Biológica e pelo protocolo de Nagoya de 2010. Mas essa proteção, assegurada aos litorais nacionais, é falha nas águas internacionais, que começam a 200 linhas náuticas da costa.
Aí, a governança fica confusa. A Convenção sobre a Lei do Mar, firmada na ONU em 1982 e que antecede a revolução genética, afirma que os recursos encontrados no leito do mar, ou abaixo dele, como minerais, são “herança comum da humanidade”. A incerteza de como esse princípio se aplica à genética marinha — combinado com a liberdade consagrada de se percorrer o mar aberto —, está transformando os oceanos num Klondike genético.
Marjo Vierros, veterano da governança marinha global da United Nations University, o braço acadêmico da ONU, mapeou os interesses comerciais (patentes) em quase todos os tipos de organismos marinhos: esponjas marinhas, corais, vermes, moluscos, algas, peixes (incluindo tubarões) e micro-organismos (bactérias e arquebactérias). Muitas sequências genéticas estão destinadas ao uso na indústria química, mas algumas são promissores para novos medicamentos e até mesmo para ingredientes de cosméticos.
A maioria das patentes existentes cobre espécies marinhas encontradas em águas nacionais protegidas, mas as mais valiosas podem estar ocultas em profundezas bem distantes. O fundo dos oceanos é o lar dos extremófilos, organismos que se adaptaram a temperaturas muito frias, pressões esmagadoras e às proximidades de orifícios hidrotermais, um ambiente ácido. Identificar os genes que permitem a sobrevivência desses organismos — e então uni-los aos de, digamos, culturas que possam ser plantadas em solos ácidos — é algo que tem um potencial comercial óbvio. O mercado mundial de biotecnologia marinha deverá chegar a US$ 6,4 bilhões até 2025.
A BASF não precisou montar grandes expedições de pesca para obter sua grande coleção de patentes: a companhia pescou a maior parte delas simplesmente vasculhando bancos públicos de dados genéticos e então, de uma maneira totalmente legal, solicitando as patentes. Robert Blasiak, um pesquisador de gestão oceânica da Universidade de Estocolmo, documentou a captura de genes marinhos num estudo recente publicado na publicação “Science Advances”.
Além de descobrir o domínio da BASF, a análise de quase 13 mil patentes de genes marinhos mostrou que 165 países não possuem nenhuma sequer, levantando questões legítimas sobre justiça social. Ele escreveu sobre a “urgência de se dar transparência ao regime legal em torno do acesso e compartilhamento dos recursos genéticos marinhos”. Uma ideia é os detentores de patentes contribuírem para um fundo global internacional, do qual os países mais pobres poderiam se beneficiar.
O patenteamento da vida marinha lembra a batalha legal pelo controle dos genes humanos. Ela começou na metade da década de 1990, quando a Myriad Genetics solicitou as patentes para dois genes associados ao câncer de mama. A companhia desenvolveu um teste de diagnóstico de US$ 4 mil e processou os concorrentes que anunciavam testes mais baratos. Isso durou até 2013, quando a Suprema Corte dos EUA decidiu que as patentes da Myriad eram inválidas porque o DNA é um produto da natureza.
Fonte: Financial Times