Estabilidade e Compatibilidade Cosmética – as fases mais temidas por muitos pesquisadores
Por Carlos Praes
O processo de desenvolvimento de produtos é composto por várias etapas para se garantir que o lançamento alcance êxito do ponto de vista do negócio e satisfação plena do consumidor. Seja na etapa de experimentação, compra, uso e o prazo de validade do produto. Também nos deparamos com uma grande demanda das empresas em busca de aumentar a receita de vendas, market share, atender as tendências de consumo ou oportunidades momentâneas de mercado, e para isso o tempo de colocação do produto no mercado à partir de uma ideia, o chamado Time to Market, cada vez mais exige que o pesquisador desenvolva os produtos em tempo recorde e assegure todos os requisitos técnicos e legais para que a saúde, segurança e satisfação do consumidor sejam atendidas amplamente.
Com certeza nesse mundo volátil, incerto, ambíguo e complexo, a etapa de estabilidade e compatibilidade, por muitas vezes, tira noites de sono dos times de P&D, tornando uma expectativa, muitas vezes, angustiante a cada leitura e o desejo de que tudo esteja em sua normalidade. Uma vez o protótipo falhando no estudo de estabilidade e compatibilidade, o pesquisador deverá voltar ao ponto zero de bancada, ocasionando atrasos de projeto, perdas financeiras ou perda do timing de mercado.
Mas porque a atividade de teste de estabilidade e compatibilidade é essencial e tão temida por alguns pesquisadores?
Exatamente por encontrarmos nessa fase, a maior diferença entre o que você experimentou no seu laboratório de química orgânica na faculdade e um laboratório de formulações cosméticas. Em um laboratório de química orgânica, você mistura produtos químicos e espera que algo aconteça, idealmente, você obtém uma reação química que se espera. Como formulador cosmético, você mistura produtos químicos e espera que nada aconteça, quimicamente. Na esmagadora maioria, cosméticos são misturas de produtos químicos que geralmente não deveriam reagir entre si. Por isso muitos estudos ou pesquisadores adotam a equação de Arrhenius, k = Ae^(-Ea/RT), para estudos de estabilidade e determinação de prazo de validade, porém lamentavelmente essa é uma equação que segue uma lei de primeira ordem, valida para estudo de fármacos. Infelizmente, a maioria dos produtos cosméticos apresentam reação de segunda ou terceira ordem fazendo com que os ingredientes da formulação reajam entre si, ou mudem, então você precisa testar suas fórmulas para ver quanto tempo elas durarão, também é vital que os pesquisadores aprimorem seus conhecimentos e conceitos, pois a equação de Arrhenius é limitada para estudos na área cosmética. Somente na etapa de Teste de Estabilidade e Compatibilidade o pesquisador cosmético passa grande parte de seu tempo, e isso pode demandar meses de incertezas.
Para lançar um produto cosmético, a RDC Nº 48, de 25 de Outubro de 2013 determina que A empresa, durante o processo de desenvolvimento, deve estabelecer estudo de estabilidade dos produtos contemplando os procedimentos e registros com: resultados dos testes, metodologias analíticas, condições de conservação da amostra, periodicidade de análise e data de vencimento. Considerando-se que, pelo perfil de estabilidade de um produto é possível avaliar seu desempenho, segurança e eficácia, além de sua aceitação pelo consumidor. O estudo de estabilidade fornece indicações sobre o comportamento do produto, em determinado intervalo de tempo, frente a condições ambientais a que possa ser submetido, desde a fabricação até o término da validade.
Para maioria dos produtos não há regras definidas sobre como você deve realizar um teste de estabilidade para produtos cosméticos. Encontramos uma vasta literatura e guias como a ISO/TR 18811:2018, Guia de Estabilidade da ANVISA, DIRETRIZES PARA ENSAIO de ESTABILIDADE de PRODUTOS COSMÉTICOS – Cosmetic Europe, Diretriz Tripartida Harmonizada para Teste de estabilidade de novas substâncias e produtos de medicamentos e Data de validade e validade de cosméticos do ICH.
Como você fará centenas ou milhares de protótipos durante sua carreira, e precisará definir protocolos, parâmetros e entendimentos para cada classe de produto cosmético, não será prático executar um teste de estabilidade e compatibilidade em todos os protótipos, utilizando-se de métodos linear ou tradicional da Era Industrial, a Era Digital demanda novos conhecimentos, habilidades e protocolos. Você também descobrirá que as mudanças acontecem tão rapidamente no mercado ou na sua empresa que não terá tempo para testar adequadamente muitas de suas fórmulas. Mas há momentos em que você precisa fazer testes de estabilidade e ter conhecimento, ferramentas ou protocolos adequados para acelerar seu processo de desenvolvimento e permitir aquela noite de sono tranquila ou final de semana despreocupado.
Aqui você encontrará algumas situações que deverá realizar o teste de estabilidade e compatibilidade;
1. Novos protótipos – sempre que você criar uma nova fórmula será necessário fazer um teste de estabilidade para garantir que ela permaneça estável.
2. Novas matérias-primas – sempre que você precisar alterar a fragrância, cor ou outra matéria-prima em uma fórmula, será necessário fazer um teste de estabilidade para garantir que não haja alterações inaceitáveis. Além disso, quando você tem uma nova fonte de matéria-prima (ou fornecedor), deverá executar um teste.
3. Novo procedimento de fabricação – A fabricação está sempre tentando encontrar maneiras mais rápidas de fazer fórmulas. Isso geralmente significa que eles mudam alguma ordem de adição ou diminuem o tempo de processo. Sempre que mudanças como essas acontecerem, isso pode afetar sua fórmula. Execute um teste de estabilidade para verificar se a alteração é aceitável.
4. Novas embalagens – Os produtos cosméticos mudam sua aparência quase anualmente, para que as embalagens sejam constantemente modificadas. Sempre que você receber uma nova embalagem, precisará determinar se a fórmula continua compatível. O teste de estabilidade e compatibilidade ajuda a garantir que sim.
Mas para realmente ser um pesquisador único e extraordinário será preciso dominar:
• os mecanismos de estabilização; O pesquisador deve ter uma abrangente “caixa de ferramentas”que é o conhecimento científico/ prático das soluções, como por exemplo estabilização estereoquímica, redução da atividade de água do produto ou pH adequado da fórmula com uma visão mais abrangente do que apenas o pH fisiológico da pele.
• caracterização das incompatibilidades: Primeiro é preciso identificar se é uma incompatibilidade química, por exemplo uma hidrólise de um éster por trabalhar com o pH da fórmula abaixo de 4,50 ou física, como exemplo a cristalização de filtros por escolha incorreta do emoliente.
• ferramentas e protocolos para acelerar o processo de desenvolvimento e otimizar a etapa de estabilidade. Aqui uma técnica simples é a microscopia óptica com uma lâmina micrométrica, isso permite saber se as micelas da emulsão estão com tamanho menor que 5 micrômetros, caso não estejam, você pode ter separação em breve.
Possui experiência de 30 anos nas áreas de P&D de Produtos, Qualidade, Novas Tecnologias e Inovação em cosméticos. Trabalhou em companhias como Unilever, Variant, Natura, Grupo Boticário e Avon. Graduado em Química pela PUC de Campinas, Mestre em Nanotecnologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com MBA pela ESIC e Doutorando em Neuromarketing pela Florida Christian University. Atualmente é Chief Innovation Officer na Innovabeauty coaching e mentoria em P&D e Membro do Conselho Científico-Tecnológico na ABIHPEC.
Referência Bibliográfica:
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria SVS no Nº 48, de 25 de Outubro de 2013 – Regulamento Técnico de Boas Práticas de Fabricação para Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes, e dá outras providências. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0048_25_10_2013.html.
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Vigilância Sanitária. Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos- Maio de 2004. http://portal.anvisa.gov.br/documents/106351/107910/Guia+de+Estabilidade+de+Produtos+Cosméticos/49cdf34c-b697-4af3-8647-dcb600f753e2.
FDA, Shelf Life and Expiration Dating of Cosmetics. https://www.fda.gov/cosmetics/cosmetics-labeling/shelf-life-and-expiration-dating-cosmetics.
ICH, Harmonized Tripartite Guideline. Stability Testing of New Drug Substances and Products – Q1A (R2), International Conference on Harmonization of Technical Requeriments for Registration of Pharmaceuticals for Human Use, FDA, fev., 2003.
IFSCC – International Federation of the Scienties of Cosmetics – monografia no 2, The Fun- damental of Stability Testing. Micelle Press: Weymouth, 23p., 1992.
ISO/TR 18811:2018(E) Cosmetics – Guidelines on the stability testing of cosmetic products
Guidelines on Stability Testing of Cosmetics Products – 2004. https://cosmeticseurope.eu/files/5914/6407/8121/Guidelines_on_Stability_Testing_of_Cosmetics_CE-CTFA_-_2004.pdf
WITTERN K. P.; ANSMANN, A.; HÜTTINGER, R.; BILLEK, D.; CHARLET, E.; HOENEN, L.; WOLFF, G.; KUCZERA, K.; MOTITSCHKE, L.; QUACK, J.; SEIB, K.; UMBACH, I. Stability Testing of Cosmetic Emulsion. Experiences of a circular test. Cosmetics & Toiletries, Oak Park, v.100, n.10, pp. 33-39, 1985.