Extraído da maconha, canabidiol cai nas graças da indústria da beleza
Sem efeito alucinógino, substância tem ações anti-inflamatória e antibactericida
As ervas que, de acordo com a música do Rappa, “aliviam e acalmam”, pelo visto também rejuvenescem. No último congresso anual da American Academy of Dermatology, realizado na cidade de Washington, no mês passado, vários estudos mostraram o poder antioxidante do canabidiol (o CDB) extraído da Cannabis sativa , nome científico da maconha. Resultado: animados com a descoberta e com a legalização da erva em diversos lugares do mundo — só nos Estados Unidos são dez estados onde está “tudo liberado” —, pesquisadores da indústria cosmética desenvolveram hidratantes, sabonetes e até itens de maquiagem capazes de levar a onda da cannabis muito além do barato.
Segundo os especialistas, o segredo do CDB está em seu alto poder antioxidante, que reúne as vitaminas A, B, D e E, e tem ações anti-inflamatória e antibactericida.
Os estudos ainda são muito recentes, mas, como antioxidante, a substância pode ajudar no combate aos radicais livres que provocam manchas, linhas finas e rugas — explica Juliana Mendonça, porta-voz do setor de psicodermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Diferentemente do THC, o CDB (que vem sendo estudado por outras áreas da medicina no tratamento de doenças do sistema nervoso central) não tem efeito alucinógeno e se adapta bem nas diversas fórmulas de produtos de beleza.
De olho nesses estudos, marcas estrangeiras de nicho (como as americanas Cannuka, criada por um casal de Ohio, e Herb Essentials, com sede em Nova York) e de grandes conglomerados (Kiehl’s e The Body Shop, ambas do grupo francês L’Oréal, e Origins, da americana Estée Lauder) já estão de olho nos consumidores que buscam soluções de beleza com substâncias naturais no lugar das químicas tradicionais.
É uma coisa nova, mas tem se falado no CBD como agente antimicrobiano, capaz de inibir a proliferação de bactérias que causam a acne — diz a dermatologista carioca Juliana Piquet, que acompanha também as discussões sobre o efeito positivo da substância em doenças como psoríase e dermatite atópica.
Por essas e outras, experts como Alexia Inge, do site Cult Beauty, que costuma mapear as tendências de beleza mundo afora, diz que “a Cannabis é a última corrida do ouro”. E deve ser mesmo. A consultoria Jefferies publicou, no mês passado, um levantamento que projeta que, na próxima década, a venda de produtos à base de CDB gerará um faturamento em torno de US$ 25 bilhões.
Substâncias da Cannabis podem, num futuro não muito distante, estar em cosméticos como qualquer outro ingrediente convencional — diz Irina Barbalova, analista-chefe do setor de beleza e cuidados pessoais da Euromonitor Internacional.
O que se discute, aqui e lá fora, é a real eficácia do componente a longo prazo. Como as pesquisas são consideradas novas, não há uma certeza absoluta dos efeitos do CDB nos cosméticos.
É inegável que exista um apelo enorme, e o marketing no exterior tem sido agressivo. Mas a maioria dos estudos trata do potencial em doenças dermatológicas e não em estética — diz Juliana Piquet.
No campus da USP, em Ribeirão Preto, há um centro de pesquisa de canabidiol que se propõe apenas a estudar os efeitos da substância na neuropsiquiatria, principalmente em casos de epilepsia. Dermatologia, por enquanto, não está no escopo.
Apesar do burburinho lá fora e da certeza de que aplicar um óleo de canabidiol no rosto não vai deixar ninguém “doidão”, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária proíbe a comercialização e a importação dos produtos. Nem mesmoa inofensiva linha Hemp, da The Body Shop, vendida em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, pode entrar. Portanto, antes de trazer aquele “creminho inocente” na mala, pense duas vezes. Agentes sanitários poderão cortar seu barato ainda no aeroporto.
Fonte: O Globo 25/04/19