Natura &Co: ‘temos certeza da estratégia e vamos executá-la com rigor’
- Written by: Janaina
Roberto Marques, presidente global da companhia, fala em detalhes ao EXAME IN sobre reestruturação da Avon e cenário econômico pós-pandemia
Depois do balanço do terceiro trimestre, a sofreu uma forte correção na sua avaliação de mercado, que está agora abaixo dos R$ 42 bilhões. O valor da empresa na B3 retornou a níveis pré-incorporação da Avon, vistos ao longo do segundo semestre de 2019, depois de ter alcançado R$ 75 bilhões neste ano.
Os investidores ficaram preocupados com a queda nas vendas e a pressão na margem. No terceiro trimestre, a receita líquida consolidada recuou 8,4%, para R$ 9,55 bilhões. A margem bruta, contudo, subiu de 64,5% para 65,3%. O susto maior veio no Ebitda, que caiu 34,5%, para R$ 954 milhões. Houve queda nas vendas nas regiões de América Latina e redução importante na Avon Internacional.
Para completar o quadro, a companhia ajustou a previsão de margem Ebitda de 16%, que será alcançada graças às sinergias estimadas com a aquisiçaõ da Avon. O planejamento previa o indicador para o fim de 2023, mas agora essa meta foi adiada por um ano. A margem saiu de 14%, no ano passado, para 10%, de julho a setembro deste ano.
Dada a força da reação do mercado, o EXAME IN foi ouvir o presidente global da Natura &Co, Roberto Marques, sobre como foi esse período. O executivo reforçou que foi o ambiente externo, macroeconômico do Brasil e global, que levou a essa mudança. “Temos muita certeza da estratégia, estamos e vamos continuar executando isso com bastante rigor”, enfatiza ele. O executivo detalhou na conversa como está o plano de transformação da Avon e explicou que mesmo a queda nas vendas está dentro do que foi planejado e que tudo isso faz parte de uma profunda reestruturação. “Sem fazer essas mudanças, não teremos a virada na qual temos convicção.”
Em 2016, a Natura realizou a mesma mudança de modelo comercial que hoje implementa na Avon. No terceiro trimestre de 2017 começou a ver o resultados. Naquele intervalo de julho a setembro de quatro anos atrás, a receita líquida no Brasil evoluiu mais de 24% — o maior avanço dos 14 trimestres anteriores da vida da empresa.
A companhia também contou ao mercado que planeja migrar a sede de negociação das ações para Nova York. Além de ser uma empresa cada vez mais global — o Brasil representa hoje 30% da receita consolidada — , a expectativa é que a presença em Wall Street amplie a liquidez dos papéis e ainda traga uma maior visibilidade a todo projeto ESG (ambiental, social e de governança) do negócio.
Confira a seguir, a conversa com Roberto Marques:
Por que o mercado se surpreendeu tanto com o balanço da companhia? Os investidores não estavam preparados para o impacto da piora da economia?
Eu realmente acho especialmente esse trimestre teve muitas variáveis que fugiram das expectativas e algumas mudanças ocorreram muito rapidamente. A queda da renda disponível que observamos no Brasil se acelerou, despencou mesmo a partir de julho. Essa conjuntura atual é relativamente nova. Eu não sei se todo mundo teve tempo de acompanhar isso. Vimos ajustes nas previsões de PIB, de inflação, de juros. Mas são coisas recentes. Eu não sei se foram incorporadas em todos os modelos. Se pegarmos os dados da Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmética (Abihpec) que medem vendas no setor, houve contração de 16% no trimestre. Essa contração no Brasil é absolutamente real e acreditamos que haverá impacto ao longo do quarto trimestre e primeiro semestre de 2022. Ainda não sabemos em qual dimensão.
Mas o que impactou mais o balanço foi isso ou foram problemas na Avon?
Na Natura &Co, o projeto de transformação da Avon continua exatamente onde deveria estar. O que criou confusão é que adiamos o guidance, a projeção de margem, por um ano. [A margem Ebitda de 16% antes esperada para dezembro de 2023 passou para dezembro de 2024]. A primeira conclusão do mercado é que isso era um atraso no projeto de Avon. Mas, de verdade, tem muito pouco ou nada a ver com isso. Nós mudamos o guidance porque, além da situação macroeconômica de Brasil, há uma pressão de custo de disrupção de cadeia de suprimento que não tínhamos visibilidade no começo do ano quando fizemos as estimativas. O aumento do custo do óleo de palma, insumo super importante para nós, foi superior a 60%. A mesma coisa na polpa e no papel. A alta no frete marítimo chegou a quase 300%. Essa disrupção que estamos vendo e a inflação, são reais e globais. Os Estados Unidos reportaram, na semana passada, a maior inflação em 30 anos. Quando o presidente do país, o Joe Biden, vai para televisão em horário nobre dizer que está ciente do problema de abastecimento que impacta o país e que está tentando resolver é porque é um desafio real, de magnitude importante no mundo. Foram esses fatores que nos levaram a alterar o guidance.
E como estão as sinergias com a Avon?
Elas estão absolutamente em linha com o que a gente previu. Só nesse trimestre, entregamos sinergias de mais de US$ 60 milhões. Elas estão ocorrendo. Se você olhar nossa margem bruta, está muito saudável, ao contrário de muitas companhias. Mas a gente tinha uma expectativa que com isso entregaríamos mais rapidamente um avanço na margem. Mas as sinergias, agora, estão contrapondo essa pressão de disrupção de cadeia de abastecimento e de custos. Elas acabaram funcionando como amortecedor. Portanto, quando rodamos o modelo de orçamento, vimos que em função desse cenário, a gente chegaria na margem prevista em 2024, e não mais em 2023. E, de forma absolutamente transparente, comunicamos isso ao mercado. Esse comportamento está muito em linha com nossa filosofia ESG, e estou falando aqui de governança. Porém, esse ajuste de cronograma da margem não muda nada do ponto de vista de transformação da Avon.
Como é esse processo, Roberto? É muito trabalhoso?
Olha, uma transformação do porte que estamos fazendo não ocorre da noite para o dia. Nós estamos investindo mais na Avon. Estamos fazendo mudanças sistêmicas e estruturantes na empresa. São coisas complexas. Por exemplo, o modelo comercial novo que implementamos. Vamos lembrar um pouco aqui. Quando fizemos esse movimento na Natura aqui no Brasil, há cinco anos, demorou de seis a nove meses para acertar isso. Estamos falando de milhões de consultoras.
O que é essa mudança de modelo comercial?
A Natura, há cinco anos, criou o modelo de segmentação das consultoras, onde elas têm um caminho de progressão para se manter com a marca. Isso foi fundamental para a virada da Natura no Brasil. Quando falamos do aumento de produtividade das consultoras, além da digitalização, estamos falando desse modelo de segmentação. Quando olhamos o ‘life time value’ das consultoras, ele é fundamental. No período de até nove meses de ajuste, a Natura teve resultados ruins de venda. Essa mudança é complexa, mas extremamente importante. Só depois do Brasil, nós expandimos isso para o restante da América Latina e levou dois anos. Agora, nós estamos fazendo essa mesma mudança na Avon. E o que é interessante é que estamos fazendo isso nos oito principais mercados internacionais da Avon ao mesmo tempo. Isso é muito mais rápido. Estamos fazendo nove mercados na Avon ao mesmo tempo, é o que a Natura levou dois anos para fazer. Obviamente que isso gera impacto de curto prazo. Planejamos isso. Faz parte do nosso desenho, de onde queremos chegar. Sem fazer essas mudanças, não teremos a virada na qual temos convicção.
Por que isso impacta vendas?
Porque impacta a vida da consultora. A zona de trabalho onde ela atua muda, a líder com quem ela trabalha também. Estabelecemos que cada consultora tem uma segmentação e uma forma de trabalhar. É importante para ter evolução na vida dessa profissional. Quando implementa, não é algo automático. Você precisa calibrar. Vivemos isso na Natura já e sabemos exatamente quais alavancas precisam ser estimuladas.
Então, o investidor vai precisar de um pouco de paciência?
Eu não diria paciência. Mas vai precisar entender que uma mudança dessa magnitude, que está absolutamente dentro do plano, precisa ocorrer. Outro exemplo. Mudamos toda a gestão na Avon Internacional. Processos e a gestão mesmo. A gente já sabia disso quando compramos, a Avon era uma empresa muito descentralizada. É como se tivemos quase comprado 40 diferentes Avons. Cada país tinha sua tecnologia diferente e que não se conectava. Cada país tinha seu marketing, finanças, estratégia comercial e até catálogos diferentes. Isso gerava uma ineficiência muito grande. Estamos transformando 40 Avons em uma só, com mesmo modelo comercial, mesmo ciclo de campanha — um para América Latina e outro para a Internacional. Estamos fazendo mudanças muito significativas. Você não faz essa cirurgia, desse porte, sem deixar o paciente de repouso no primeiro momento, porque isso tem impactos fortes. Mas tudo isso foi pensado, planejado e organizado. Não há nada de diferente em Avon em relação a onde queremos chegar. O que ocorreu foram os outros fatores que falamos, de cenário global e brasileiro.
Foi muita coisa ao mesmo tempo. Será que vocês poderiam ter sido mais claros?
Eu acho, sim, que cabe a nós, respeitando o mercado, continuar esclarecendo isso, sem sombra de dúvidas. E estamos fazendo isso.
Houve uma discussão, também, sobre a queda na produtividade de suas consultoras, após a divulgação do balanço. O fim do home office trouxe impacto para isso?
Acho que aqui cabe um reforço. A gente já estava falando disso desde o primeiro trimestre. O ano de 2020 não é a melhor comparação. Foi um ano espetacular e fora da curva. O terceiro trimestre de 2020 foi o maior e melhor trimestre de toda a história da Natura &Co. Por que isso aconteceu? Com a pandemia, houve uma mudança de canalidade. O conceito da venda por relação foi uma forma de as pessoas encontrarem renda e segurança. Houve um aumento do canal. De alguma maneira, nosso modelo de relação nos favoreceu. Eu já falava desde o começo deste ano avisando que o segundo semestre de 2021 teria uma comparação muito difícil, com resultados muito muito fortes.
É por isso que vocês também fazem a comparação com 2019 nos comentários de desempenho divulgados com o balanço?
Sim. Porque é um ano que você elimina a pandemia e esses fatores extraordinários. Quando faz isso, nossa venda cresceu 21%. É muito bom. Mas, em relação a 2020, há uma queda. E é preciso entender que sim a pandemia impactou a produtividade das consultoras positivamente.
Houve mudança no consumidor também ou só na consultora?
Houve também. Essa queda na renda disponível trouxe sim uma mudança no consumidor. Mas isso nós pegamos muito de última hora, pois como eu disse, foi uma virada abrupta. Com isso, o cliente mudou o mix. Ele acabou concentrando mais em higiene pessoal, muito mais do que beleza. Tíquetes mais baixo. No lugar de comprar perfume e maquiagem, foi para higiene pessoal. Quem se beneficiou disso, mais no curto prazo, foram os produtos de massa vendidos em supermercados e farmácias. Mas a gente já está mudando nosso portfólio de ofertas para ajudar na venda da consultora. Isso já está sendo realizado. Foram duas coisas, portanto: troca de mix e tíquetes mais baixos.
Nós estamos assistindo o setor de lazer, gastronomia e entretenimento se recuperar. Houve um deslocamento de gastos dentro do orçamento das pessoas?
Tem isso, evidentemente que tem. Por isso, mais uma vez, a comparação com 2020 não é apropriada. Porque existem fatores da pandemia. E esses ajustes que estamos falando, de comportamento, nunca foram vividos antes. Nunca foram experimentados. Nós vimos isso muito claramente na Europa já. As pessoas direcionaram os gastos para a área de serviços, e deixaram de gastar com produtos. Havia uma demanda reprimida. A gente acredita que também isso vai perdurar nos próximos meses. É preciso ficar atento e entender que essas questões não têm relação com a nossa estratégia. São fatores macro e circunstanciais, até que se ajuste a relação entre demanda e oferta.
Em função da pressão de custo, vocês não pensaram em reduzir o ritmo da reestruturação da Avon?
Eu ouvi essa pergunta já. A resposta é não. Ao contrário, vemos esse momento como uma oportunidade de acelerar essa transformação. Assim, quando o mercado voltar de maneira mais estável, estaremos com os fundamentos da estratégia comercial, da gestão e da digitalização da Avon mais avançados do que quando entramos na pandemia. E, uma coisa importante, estamos também promovendo expansão da The Body Shop, da Aesop e do plano Natura na China e na América Latina. Nossa estratégia de suporte às marcas, não estamos modificando. Mas estamos sensíveis a esse ambiente externo.
E dá para ter uma ideia de quando vai chegar a estabilidade? Quando tudo isso vai melhorar?
Temos comentado que acreditamos numa melhora sequencial. Mas, do ponto de vista externo, estamos trabalhando com a assunção de que essa pressão de custos vai continuar, pelo menos, até o fim do primeiro semestre de 2022. Isso é com base em análise, estudos e conversas. Se melhorar mais cedo, é um upside. A parte interna, de impacto na Avon, vai continuar ao longo de 2022, e esperamos que a partir do segundo trimestre ou segundo semestre, começaremos a ver os benefícios das mudanças. Mas tudo isso é quase especulativo, dada a quantidade de fatores ocorrendo ao mesmo tempo. Por isso, o mais importante é comunicarmos que temos muita certeza da estratégia, estamos e vamos continuar executando isso com bastante rigor.
Eu também queria entender um pouco o plano de vocês de migrar para a Bolsa de Nova York. O fato de a empresa ter um presidente global, você, fora do Brasil, me diz que esse projeto existe há muito tempo, correto?
Correto. E não sou apenas eu. Três dos quatro CEOs de unidades de negócio também estão fora do Brasil. Já temos um footprint muito global. Obviamente, o Brasil é nosso maior mercado e vai continuar sendo. Temos muito orgulho de ser uma empresa brasileira que se tornou multinacional. Mas a Natura &Co vem dado passos importantes de globalização, com Aesop, depois a The Body Shop e mais recentemente a Avon. As receitas do Brasil representam agora 30%. E se nós projetarmos ao longo do tempo, esse percentual vai diminuir. Não porque aqui vai ficar menor ou menos importante, mas porque a expansão internacional vai se acentuar, com a entrada em novos mercados. China e Estados Unidos devem mexer com essa distribuição percentual, ainda que o Brasil continue sendo sempre nosso mercado de referência. Mas essa troca de listagem, e nós já estamos em ambos os mercados, é apenas uma inversão. Estamos há algum tempo trabalhando com a B3 de forma a melhorar essa questão do BDR. A questão da presença global é um dos fatores. Mas, conversando com investidores internacionais, nós percebemos que existe uma oportunidade de aumentar a nossa liquidez e nossa visibilidade com a agenda ESG.
Fonte: Exame 19.11.2021