A beleza está mais diversa do que nunca, mas será o bastante?
Como as marcas de cosméticos, os fotógrafos e os maquiadores ainda precisam melhorar para trabalhar com mulheres negras
Na era de coleções de maquiagem com 40 tons de base e mais representantes negras do que nunca, parece que o mundo da beleza finalmente aceitou a diversidade, e a celebra. Ainda sim, se você perguntar a maquiadores, cabeleireiros e fotógrafos sobre isso, a resposta será provavelmente: é um começo.
Comparada com a moda, a beleza foi mais rápida em termos de inclusão. Movido pelas redes sociais, este universo, nos últimos cinco anos, se moldou para receber e representar consumidores de todos os tons de pele e identidades de gênero.
Considerando o sucesso esmagador da Fenty Beauty, marca da Rihanna, que chamou atenção ao lançar 40 cores de base mostrando o quão míope as marcas estavam sendo.
Claramente o mercado de maquiagem para mulheres negras vai muito além de um nicho. O tempo em que Iman, uma supermodelo famosa dos anos 1970 e 1980, tinha que levar seus próprios cosméticos para as sessões de fotos parece arcaico. (Mais tarde ela abriu sua própria empresa, anos antes de Rihanna, para melhorar estes problemas.)
“Você não tem mais a desculpa de que o produto não está disponível”, diz Nick Barose, maquiador que tem clientes como Lupita Nyong’o, Priyanka Chopra e Gugu Mbatha-Raw. “Jovens, velhos, escuros, claros, diferentes subtons – você tem que ser capaz de olhar para o rosto em sua frente e igualar.”
Mudanças similares estão ocorrendo em termos de produtos para cabelo. Lideradas por estrelas como Yara Shahidi, Sasha Lane e Tracee Ellis Ross, que usam os seus cabelos naturais, “selvagem, rebelde, textura frisada” estão redefinindo o glamour hollywoodiano, como explica Nai’vasha Johnson, que penteia Yara e Sasha.
Isso é “absolutamente ligado a raça”, continua. “Quando você faz permanentes, alisamentos e todas essas coisas que alteram o que é naturalmente seu, sejamos honestos, é abraçar uma raça ou nacionalidade que não é sua.”
O que estamos vendo agora – esta variedade de penteados e texturas no tapete vermelho – não veio sem esforço. Na estimativa de Nai’vasha, a mudança ocorreu durante os últimos cinco anos e está sendo uma batalha.
“É preciso que mulheres fortes, como Wanda Sykes, que foi a minha celebridade a usar os fios naturais, basicamente disse ‘estou confortável com quem eu sou'”, conta. “Eu fiz um penteado nela com o cabelo natural e ficou glorioso – realmente lindo. Depois disso, outras mulheres com cabelo cacheado entraram na onda, porque viram que poderiam fazer coisas lindas com suas texturas.”
‘Vamos levar isso a um lugar real’
Cabelo natural e múltiplos tons de pele já estiveram “em alta” antes. (Relembre os anos 1960 de Diana Ross e os desfiles da Yves Saint Laurent nos anos 1970.) Então, isso é algo passageiro ou veio para ficar?
Sam Fine, maquiador conhecida por trabalhar com Naomi Campbell, Iman e Queen Latifah, é cético. Ele está na indústria desde 1991 e viu coleções para mulheres negras surgirem e desaparecerem.
“Teve a Revlon, quando eles lançaram a ColorStyle, e também a Shades of You da Maybelline – onde estão elas agora?” diz Fine. “Essa relação das marcas com as negras é bem sazonal. Se eles assinarem um contrato com a Veronica Webb ou Tyra Banks, de repente farão uma coleção para elas.”
Ele aponta que as mudanças mais permanentes ocorreram nos anos 1990 com o aumento das marcas profissionais – especialmente MAC, Nars e Bobbi Brown. “Eles realmente começaram a mudar o jogo”, explica. “A MAC, particularmente, abraçou as pessoas negras com sua ampla gama de cores.”
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Mesmo assim ele enxerga que existem questões a serem melhoradas. “Estamos empacados no politicamente correto”, diz. “Vamos levar para o lugar em que isso é real e durável. Por exemplo, todas as marcas estão lançando 40 tons de base porque está na moda. Mas elas estão realmente trabalhando as iniciativas e o alcance? Não é só colocar uma modelo negra ao lado da Gigi Hadid. Os produtos precisam estar perto das pessoas, e não somente na sua loja na Times Square e os vendedores precisam de treinamento.”
Na verdade, a educação é frequentemente citada como um problema. Tym Buacharern, maquiador que trabalhou nos filmes ‘Pantera Negra’, ‘Dreamgirls’ e ‘Jogos Vorazes’, crítica as escolas de maquiagem por não fazerem o bastante. Eles ensinam predominantemente como trabalhar em caucasianos, diz. Além disso, ele acredita que os maquiadores mais jovens estão confiando demais nos tutoriais do YouTube.
“Youtube é incrível para inspiração depois que você possui experiência, mas é um desserviço para os jovens porque você está aprendendo com alguém que é ótimo apenas em fazer maquiagem em si mesmo”, explica. “Você precisa aprender os fundamentos antes.”
Segundo Buacharern, estas habilidades incluem acertar no tom e na fórmula da base para determinados tipos de pele e saber trabalhar com quem está sentado em sua frente. Então não é surpreendente quando uma atriz negra aparece no set, que ela tenha problemas com o cabelo ou a maquiagem. “Quando eu tenho uma mulher não branca vindo – pode ser latina, asiática, negra, o que for – ela já teve algum problema do tipo antes”, relata. “Não existe muita confiança aqui.”
Com mais mulheres de cor em papéis de liderança, a dinâmica está mudando aos poucos. “Quanto maior a atriz, mais controle ela tem sobre quem trabalha nela”, continua o maquiador. “E não tem nada a ver com vaidade. É sobre estar confortável e não ter que se preocupar com cabelo e maquiagem e conseguir focar na atuação.”
‘Fotógrafos tem um grande, grande papel’
Mesmo que a equipe de cabelo e maquiagem acerte a beleza de uma mulher de cor, ela ainda pode aparecer na câmera com um brilho acinzentado (ou pior, com a pele clareada) e cabelo opaco.
“Fotógrafos tem um grande, grande papel, e muitos deles não têm nem ideia de como colocar luzes para uma negra ou como retocar alguém que não seja branco”, diz Vernon François, cabeleireira de Lupita Nyong’o durante a tour do filme ’12 Years a Slave’.
Alexi Lubomirski, que fotografa capas de revista, campanhas de beleza e recentemente clicou os retratos do casamento do príncipe Harry e Meghan Markle, percebe que problemas de iluminação viraram uma batalha estética. “Alguns diretores criativos estão com medo de iluminar peles escuras porque sentem que não representa a cor natural delas”, diz.
“Eu gosto dos pontos de luz e sombra para iluminar as peles”, diz Lubomirski, que também é autor do livro Diverse Beauty. “Para mim, essa é uma parte da beleza das peles escuras, a profundidade da cor naturalmente mostra pontos mais claros e mais escuros.”
E as coisas podem dar errado depois da sessão também. “A primeira vez que fotografei a Lupita Nyong’o, ela me pediu para não clarear a sua pele na pós-produção, pois ela já havia tido essa experiência.” Me fez voltar aos meus arquivos e perceber que, em várias vezes, meu estúdio entregou para as revistas a versão final e, ainda assim, a pele estava mais clara quando foi publicada.”
“Revistas e anunciantes podem hesitar em defender qualquer um que se afaste muito de um espectro de beleza padrão”, acrescenta.
Stylists apontam que ideais de aparência são criados, ou reforçados, pela imprensa e pelas celebridades, principalmente nos importantes tapetes vermelhos.
“Quando Lupita está atravessando o red carpet, ela está sendo fotografada com um flash branco, pensado para alguém como Jennifer Aniston”, explica François. “É desrespeitoso, porque é o que as pessoas estão vendo em casa, e talvez é por isso que alguém pensa ‘quero parecer como a Jennifer Aniston’ e não o mesmo de Lupita ou Viola Davis. É aí que começa a disputa pelas campanhas, e se fulana vende mais do que ciclana.”
Barose nota que iluminação é um problema em todo o mundo das celebridades. “Se tenho uma cliente aparecendo no ‘The View’, sei que ela vai estar incrível porque aquela galera sabe fazer luz para vários tons de pele”, diz. “Mas existem programas em que a luz é só para os apresentadores brancos. É quando podem aparecer falhas na maquiagem, mesmo eu tendo deixado elas lindas.”
‘Cabelo com textura não é difícil’
Lacy Redway, cabeleireira que trabalha com Ruth Negga e Tessa Thompson, diz que, nos bastidores de sessões de fotos e desfiles de moda, a opinião principal é a de que cabelo texturizado é difícil. Ela fala de um vídeo postado por Londone Myers, uma modelo iniciante que documentou sua experiência em um backstage, enquanto esperava e era ignorada pelos profissionais.
Ela escreveu no post: “Não preciso de tratamento especial. O que preciso é que cabelereiros aprendam a cuidar de fios afro. Estou tão cansada das pessoas evitarem fazer o meu cabelo em desfiles. Como você ousa tentar me mandar para a passarela desarrumada. Todos nós sabemos que, se você tentasse isso com uma modelo branca, estaria #demitido.”
Ela conta que algumas modelos já chegam prontas nas sessões de fotos por medo de não conseguirem penteá-las. “Muitos ficam intimidados por cabelos com textura que eles não sabem nem como os fios tem que ficar, então eles também não sabem o que está errado”, diz.
Mas Lacy está otimista com as mudanças que estão ocorrendo. Ela quer fazer com que esta discussão se torne mais aberta e menos intimidante. (“Pode ser um tópico que as pessoas têm medo de falar”, explica.) E uma parte do movimento de apoio é adotar um vocabulário melhor.
“Você pode fazer o que quiser com cabelo ‘texturizado'”, diz. “Pode alisar. Pode trançar. Ele segura mais penteados. Cabelo texturizado não é difícil. Eu o chamaria de versátil’.”
Mutuamente, Nai’vasha está interessada em tirar o estereótipos tradicionais atribuídos a cabelos com textura. “Eu nem os chamo de dreadlocks – os chamo de lock”, diz. “Quero mostrar que você não precisa de um visual Rastafári.”
Ela lembra de pentear Sasha Lane para o MET Gala deste ano, assim como no ano passado, com cristais Swarovski. “Estava lindo e glamuroso”, recorda.
E, ao contrário do passados, quando a beleza diversa teve picos de popularidade, Johnson está confiante de que o que está acontecendo é mais do que apenas uma tendência.
“Nos transformamos em um mundo onde as pessoas estão muito em contato com quem são”, explica. “Elas são firmes sobre isso e não querem mudar ou se pacificar por ninguém. É um mundo de ‘Isso é quem eu sou’.”
Fonte: Estadão