Beleza masculina: um mercado em alta
O Brasil responde por 13% do mercado global de cosméticos para homens, e eles já representam um terço dos clientes das clínicas de estética no Brasil. Conheça algumas startups do setor, e veja o que elas fazem para ganhar terreno.
No final do século 20, o termo “metrossexual” começou a ganhar força. Cunhada pelo jornalista britânico Mark Simpson, a palavra é a junção de “metropolitano” e “sexual” e era usada para descrever os homens mais vaidosos. O maior exemplo de metrossexual no surgimento do conceito foi o jogador de futebol David Beckham – que não media esforços para parecer ainda mais bonito do que já era.
Corta para 2022. É quase impossível se deparar com a palavra metrossexual hoje. O termo caiu em desuso, e não foi à toa: a ideia de que os homens que se importavam com a aparência formavam um grupo seleto morreu. Agora essa é a norma, não a exceção.
A naturalização do tema, especialmente entre os mais jovens, abriu as portas para um segmento promissor do mercado: o de beleza masculina, com cada vez mais marcas apostando em produtos para pele, cabelo, barba e outros cosméticos voltados para eles. Nas próximas páginas, vamos destrinchar esse universo.
Um baita mercado
Segundo a consultoria Research & Markets, o segmento de cosméticos e produtos de beleza voltado para homens atingiu US$ 69 bilhões em 2020, e deve seguir em pleno crescimento – a previsão é que o setor movimente US$ 78,6 bi em 2024.
Ainda é pouco se comparado aos mais de US$ 700 bi previstos para o mercado geral de cosméticos, é verdade. Essa diferença mostra que quase 90% do mercado ainda é dominado pelo público feminino. Mas também indica que o segmento voltado para homens ainda tem muito potencial para crescer. Nesse cenário promissor, o Brasil se destaca: representamos 13% do mercado global de beleza masculina, segundo o Euromonitor.
O público masculino é uma aposta para expandir o já gigante setor de cosméticos e cuidados pessoais brasileiro – que é o quarto maior do mundo, atrás somente de Estados Unidos, China e Japão.
Por aqui, dados mostram que boa parte dos homens mergulhou de cabeça no consumo desses produtos. Uma pesquisa encomendada pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), por exemplo, revelou que oito entre dez homens concordam com a frase “foi o tempo em que só as mulheres se preocupavam com a beleza”. 43% dos entrevistados se consideravam “supervaidosos”.
Não só o preconceito diminuiu como a exigência da sociedade também aumentou. Hoje ambientes de trabalho ou de convivência já consideram que cuidados com a aparência são essenciais – e a falta deles pode trazer problemas.
O fenômeno do “boom das barbearias” nos últimos anos também ajudou a pavimentar o terreno. Esses pequenos negócios deixaram de ser apenas locais para cortar cabelo e fazer a barba e se tornaram verdadeiros centros de beleza masculina, onde homens podem conhecer temas do universo da beleza e conversar sobre o assunto, assim como as mulheres fazem em salões, sem ter sua masculinidade questionada. Nisso, acabam se interessando por novos produtos e práticas.
Mas vale ressaltar que o mercado de beleza para homens vai além de cuidados com a barba e o cabelo. É fato que esses ainda são os clássicos – shampoo e condicionadores e itens de cuidados com a barba são os cosméticos mais citados na categoria “uso constantemente” pelos consumidores masculinos, juntamente com perfumes, segundo a pesquisa Cosmentology, feita Grupo Croma, em parceria com a Netquest. Logo em seguida, porém, vêm os cremes e loções para a pele, lembrado por 30% dos entrevistados.
Ou seja: homens passam a apostar cada vez mais em skincare (cuidados para a pele), o que abre uma ampla variedade de produtos para se investir. Uma pesquisa deste ano da Ipsos descobriu que preocupações com a pele são o motivo número um que levou homens a se interessar mais por cosméticos nos últimos anos.
O consumidor masculino também não está isento de preocupações como rugas, linhas de expressão, olheiras, manchas, flacidez. Tanto que eles já representam 30% das clientela das clínicas de estética no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Clínicas e Spas (ABC-Spas). A busca principal é por serviços como depilação, limpeza de pele e aplicação de botox.
Iniciativas brasileiras
Quem está nesse mercado há um bom tempo percebe a mudança de humores. É o caso da Dr Jones, marca de produtos de beleza masculinos que surgiu em 2013. Primeiramente, seus produtos eram comercializados em negócios como farmácias e perfumarias. Por seis anos permaneceu assim, até que a alta demanda por compras online levou a uma mudança de modelo de negócios: agora, a empresa é digital e vende diretamente aos consumidores.
“No online, conseguimos ter um contato mais direto com o consumidor e cultivar uma comunidade, além de obter mais dados”, explica Guilherme Campos, cofundador da Dr Jones. “Nas varejistas, só tínhamos os números das vendas, mas não o perfil do consumidor, recorrência de compras, nível de fidelidade, etc.”
Hoje, a Dr Jones inclui em seu portfólio aparelhos de barbear, sabonetes e shampoos anticaspa e gel e cera para barba. Desde a fundação, a empresa acumula R$ 15 milhões em investimentos de quatro fundos diferentes.
Outra startup do setor é a The Men’s, que surgiu em 2021. Os empreendedores Danilo Bertasi e Dinho Andrade decidiram entrar nesse ramo de empreendimentos após observarem o sucesso de empresas do tipo no mercado americano, como a Hims.
Para além da área da beleza, a The Men’s se considera também uma healthtech, porque atua também na área de dermatologia, comercializando produtos contra a queda de cabelos. “Nascemos com a missão de solucionar todas as inseguranças masculinas”, conta Danilo. Entre os investidores da empreitada está a Eurofarma, através do seu fundo de investimentos Neuron Ventures.
Desbravando
As oportunidades de empreender são vastas, mas o setor também enfrenta desafios pela frente. O primeiro deles é que o segmento no Brasil ainda é dominado por alguns gigantes — como, por exemplo, Natura e Boticário, quando o assunto são cosméticos, e Unilever e P&G (dona da Gillette) na categoria higiene pessoal.
Competir com as gigantes é difícil em qualquer mercado, mas, no caso dos cosméticos masculinos, há um porém a mais: exatamente por ser um mercado ainda em ascensão e sem tantas opções se comparado ao feminino, os homens são menos propensos a experimentar marcas novas e buscar diversificar os produtos. Uma vez que encontram uma opção que os agrade, tendem a ficar com ela por bastante tempo.
Para conquistar o público, então, startups da área investem pesado em um tipo de publicidade específica — a de parcerias com criadores de conteúdo e influencers masculinos nas redes sociais. É uma estratégia emprestada do mercado feminino, que deu tão certo que colocou várias “blogueirinhas” de moda e maquiagem entre os perfis mais seguidos do mundo. E, embora não existam tantos “blogueirinhos” voltados para o mesmo fim, a ideia funciona também no público masculino ao apostar em publis com atletas, cantores, atores e perfis fitness.
Outra estratégia para conquistar o público é ampliar a linha de produto para além dos shampoos e esfoliantes (categorias mais clássicas, nas quais as gigantes dominam). A Dr Jones, por exemplo, vende um gel redutor de medidas que promete diminuir a gordura abdominal e combater a flacidez na pele. A ideia é que seja usado após o treino físico, e lembra produtos já consagrados no mercado feminino, como cremes contra celulite e gordura localizada. Já a The Men’s aposta em produtos como um chá estimulante para aumentar a energia e balinhas de gelatina de melatonina para regular o sono.
Mais: apostam também na venda de kits contendo vários itens diferentes, já que o consumidor masculino tende a ser menos garimpeiro que as mulheres na busca de produtos – preferem a simplicidade de levar tudo em uma única compra.
O próximo passo?
Ainda há uma fronteira a ser cruzada para conquistar um subtipo de mercado que, no caso das mulheres, movimenta cifras milionárias: o de maquiagens.
A prática é mais frequente hoje no Japão e na Coreia do Sul: as boy bands locais carregam na maquiagem, e inspiram meninos a adotar bases e delineadores. O fenômeno vem ganhando força no Ocidente também: uma pesquisa de 2019 da Morning Consult ouviu mais de dois mil homens nos Estados Unidos e descobriu que 23% considerariam usar maquiagem. Com uma diferença geracional bastante marcada: entre os jovens (18-29 anos), esse número aumenta para 33% dos respondentes.
Lá fora, as maiores grifes já vem apostando nesse segmento. A Chanel lançou em 2018 sua linha Boy de Chanel, contendo base, lip balm e lápis para a sobrancelha.
Uma estratégia para esse mercado é apostar nos tipos de maquiagem mais discretas, que servem mais para esconder imperfeições no rosto do que para enfeitá-lo, como corretivo da cor da pele (usado para olheiras, por exemplo) e hidratantes labiais incolores. Na pesquisa da Morning Consult, a aceitação do público masculino para o uso de corretivo foi de quase 30%, enquanto para produtos como um blush o número foi metade disso.
Aqui ainda não há grandes marcas de maquiagem apostando nos homens especificamente. Mas talvez isso não demore a acontecer. Afinal, não faz tanto tempo que o mero ato de ter cuidados básicos com a aparência era visto como uma excentricidade no mundo masculino. E talvez não falte tanto para o próximo passo.
Por Bruno Carbinatto
Fonte: Você S/A 08.04.2022