Dólar caro muda estratégias do setor de produtos de beleza
A escalada do dólar surpreende e muda a estratégia de fabricantes de produtos de higiene pessoal e cosméticos
No cenário mais pessimista, as empresas projetavam câmbio entre R$ 3,40 e R$ 3,60 para este ano, abaixo da máxima de R$ 3,92 atingida em 7 de junho – ontem a moeda americana fechou em R$ 3,74. Boa parte dos insumos e das embalagens desse setor está atrelada à variação do dólar – no caso de perfumes, o custo dolarizado pode chegar a 60%.
Os fornecedores de insumos vêm tentando elevar preços para repassar às indústrias a pressão sobre os custos. Entretanto, esta é uma decisão difícil pois o consumidor continua cauteloso na hora de comprar. As empresas sinalizam com redução de margem de lucro e cortes na intensidade de promoções.
No Grupo Boticário, considerando todo o portfólio de produtos, 15% dos custos diretos e cerca de 30% dos indiretos estão relacionados à moeda americana. Fernando Modé, vice-presidente corporativo, disse que o planejamento para 2018 considerava um cenário de R$ 3,40 para a divisa. “Esperávamos volatilidade entre abril e novembro devido ao aumento dos juros nos Estados Unidos e às eleições no Brasil. A alta está superior ao previsto.”
Dona de marcas como Eudora, quem disse, berenice?, The Beauty Box e Vult, a companhia não faz hedge financeiro, mas busca o melhor momento para adquirir insumos. “A fragrância é a principal matéria-prima com preço influenciado diretamente pelo dólar. Neste caso, as compras são feitas a cada três meses, com a média da cotação do período. Estamos com um nível de cobertura do estoque favorável”, afirmou o executivo.
Novas compras ocorrerão entre o fim do ano e início de 2019. Modé afirmou que esse será o momento de observar se o mau humor do consumidor persiste e se a tendência de “deterioração da economia” permanece. Caso a situação ainda esteja assim, ele acredita que haverá impacto negativo, que pode influenciar na rentabilidade ou no preço. A decisão sobre reajuste será feita conforme o movimento do mercado.
Na Jequiti Cosméticos, empresa de vendas diretas do Grupo Silvio Santos, a pressão do dólar é percebida mais intensamente em insumos como fragrâncias e nas embalagens. “As casas de fragrâncias sempre aplicam o dólar do mês anterior para definir o preço do produto. A oscilação está acima do esperado, sendo que no contexto atual preciso assumir o impacto, pois as revistas dos ciclos 9 a 14 [junho a novembro] já estão impressas”, disse o presidente Antonio Mônaco. As revistas são os catálogos de produtos usados pelas revendedoras. Uma nova revista é enviada à força de vendas a cada 21 dias.
A fabricação dos produtos para cada ciclo é definida na Jequiti 120 dias antes, em média, pois a produção é 100% terceirizada. Na Eudora, do Grupo Boticário, que tem produção própria, o prazo é o mesmo. No caso das concorrentes Natura e Avon, esse tempo pode recuar para cerca de 80 dias. Mônaco disse que o prazo usado pela Jequiti é necessário para definir as campanhas e fazer as reuniões entre as gerentes e consultoras antes das vendas começarem.
Nos ciclos 8, 9 e 11, entre maio e agosto, a Jequiti reajustou os preços de itens na categoria de perfumaria e de desodorantes – aumentos de 2,3% a 2,6%. Mas foi para repor a inflação de 2017. Caso o dólar não se estabilize, Mônaco considera que a empresa poderá voltar a revisar os preços a partir de 2019.
“Para os próximos meses, poderemos reduzir os descontos nas promoções de 20% para 10%, por exemplo”. Até maio, a receita da Jequiti crescia 21%, em relação a igual período do ano passado. Mas, com a greve dos caminhoneiros, o ritmo de aumento caiu para 13%. A meta para este ano é atingir receita 20% maior ante 2017.
No setor de embalagens, o reajuste da celulose no exterior também é fator de pressão. A matéria-prima acumula alta de 50% nos últimos 18 meses, disse Hercilio Baumgarten, presidente da CartonDruck, que fabrica 14,4 mil toneladas de embalagens anualmente. A empresa é fornecedora das gigantes L’Oréal, Unilever, Natura e Avon, sendo que os cosméticos representam 60% da receita. “Apesar da inflação na casa dos 3%, estamos repassando alta de 17%. Foi muito tempo sem reajuste.”
Segundo Baumgarten, nos últimos anos os clientes “sugaram” as margens das fabricantes de embalagens, mas agora não há mais o que fazer. Antes dessa medida, quando a CartonDruck tinha estoque, a gramatura do papel cartão e os tamanhos das embalagens já tinham sido reduzidos, a pedido das empresas. O executivo disse que está sendo difícil os clientes aceitarem o novo cenário, mas ele argumenta que os produtos são de alto valor agregado.
Uma executiva de casa de fragrâncias que está entre as maiores do setor no mundo disse ao Valor que, devido ao cenário econômico difícil, as empresas tentarão não subir os preços do produto final, caso contrário, o consumidor tende a buscar uma alternativa mais barata. “A fragrância de um perfume tem pelo menos 50 ingredientes, sendo que em alguns casos é o dobro. A valorização do dólar causou um grande impacto. Repassamos aumentos nos produtos entre 7% e 10%”, disse a fonte.
No cenário mais pessimista para este ano, as companhias projetavam câmbio entre R$ 3,40 e R$ 3,60
Outros insumos como o polietileno, utilizado na fabricação de embalagens plásticas, também ficaram mais caros devido à alta recente do petróleo. Fazia três anos que essa multinacional segurava repasses de preços, segundo a fonte. “Para nós, é importante que nosso cliente tenha um bom desempenho. Todos estão abrindo mão de aumentos expressivos para manter a dinâmica do mercado.”
De fato, a variação dos preços de produtos de maquiagem e de higiene pessoal, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra uma curva descendente nos últimos 12 meses. Os reajustes perdem força no período.
A quantidade de fragrância usada nos produtos varia bastante, de 0,2% do total no caso de um detergente líquido para lavar louças até 15% quando se trata de um perfume. A alemã Drom Fragrances dá um exemplo: o citral, insumo empregado na composição de notas cítricas, subiu 25% neste ano devido a problemas com importante fabricante global. Há ainda a pressão do dólar.
Matthieu Ferreira, diretor comercial da multinacional alemã, disse que no início de 2018 fez um reajuste. Não planeja fazer outro agora. Em sua opinião, “momentos como o atual impactam principalmente na atividade de criação de fragrâncias para as marcas.”
Na Mahogany, cuja rede possui 201 pontos de venda no Brasil e no Chile, a negociação com a Basf para a compra de insumos químicos para os cosméticos está complicada. Jaime Drummond, fundador e presidente da Mahogany, comentou que a aquisição de insumos tem sido feita na medida da necessidade. “Estamos adotando uma postura conservadora e trabalhando sem estoque de matérias-primas até que o mercado esteja mais estabilizado”. Procurada, a Basf não quis comentar.
Diante desse cenário, a postura é reduzir a rentabilidade para manter a receita. A tendência é repassar muito pouco do custo porque o consumo não está avançando na proporção que se esperava no início do ano. Logo, quem cresce acaba tirando espaço do concorrente.
Fonte: Valor