Indústria de beleza começa a se recuperar
Auxílio emergencial e hábitos na pandemia contribuem
Depois do baque gerado pela pandemia em março e abril, o setor de produtos de higiene e beleza vê uma recuperação mais rápida do que esperava no início da crise. A reação começou em maio e se acentuou em junho e julho. Segundo os fabricantes, dois fatores contribuem para esse movimento: o auxílio emergencial de R$ 600, principalmente em regiões como o Nordeste, impulsionando as vendas de itens de higiene, como sabonete, álcool em gel e xampu; e, uma autoindulgência do consumidor na crise, aliada à tendência de se cuidar mais, que aumentou a demanda por cremes e perfumes.
“Julho foi fantástico. Vendemos 15% acima do ano passado no meio da pandemia. É surpreendente”, diz Renato Massara Jr, diretor comercial da Wheaton, maior fabricante brasileira de vidros para o mercado de beleza, principalmente frascos de perfumes.
A companhia, que emprega 3,5 mil pessoas em São Bernardo (SP), saiu de uma perspectiva de demitir 500 funcionários, segundo projeções feitas no início da pandemia, para 80 contratações em julho. Este mês, reativou um forno que só voltaria a operar em dezembro. Em abril, chegou a projetar uma retração de 25% a 30% no ano. Agora, espera ao menos igualar o faturamento de 2019, de R$ 1 bilhão.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, o faturamento do setor avançou 0,8% no primeiro semestre, na comparação com os seis primeiros meses do ano passado. João Carlos Basílio, presidente da entidade, considera o percentual animador. “A recuperação foi muito grande a partir de maio, considerando que tivemos quedas expressivas nos dois meses anteriores”, diz.
Em abril, no auge das medidas de isolamento social e enquanto as fabricantes ainda se adaptavam à nova realidade, o recuo das vendas foi de 19,4%. Em maio, houve alta de 5,2% e, em junho, de 4,9%, na comparação aos respectivos meses de 2019. Só em perfumes, o avanço em junho foi de 20,7%.
“Além do aumento da preocupação com o autocuidado, observamos uma demanda maior por presentes, com as pessoas querendo demonstrar carinho para quem ficou longe com o distanciamento social”, disse Roberto Marques, presidente da Natura &Co, ao Valor na quinta-feira à noite, ao comentar os resultados do grupo.
Após uma queda de 23,5% abril, a receita da marca Natura no país cresceu 23,6% em maio e 29,4% em junho, em base anual. No acumulado do semestre, a alta foi de 8,7%.
A aposta que já vinha sendo feita em canais digitais também contribuiu. “O nível de digitalização das consultoras foi uma grande alavanca para que elas pudessem navegar nesse novo mundo”, afirma Erasmo Toledo, vice-presidente de negócios Brasil da Natura. Hoje, 80% das 1,2 milhão de revendedoras da marca vendem por aplicativo ou internet. Em junho, 889 mil delas tinham sua própria loja on-line (65% mais que há um ano) e os pedidos por esse canal triplicaram em relação a junho de 2019.
No Boticário, as vendas on-line também triplicaram durante a pandemia. “Nas primeiras três semanas, tivemos 40% de novos consumidores no comércio eletrônico”, conta Artur Grynbaum, presidente do grupo. A empresa adotou novas ferramentas digitais, como um sistema de atendimento via WhatsApp que integra as revendedoras da marca às lojas físicas – são 4 mil lojas no país, a maioria franquias. A venda é fechada pela consultora e a entrega é feita pela loja mais próxima da casa do cliente.
Grynbaum não cita números de vendas, mas faz coro com outros executivos e empresários do mercado de beleza que veem um patamar de recuperação acima do previsto no início da crise. Para ele, além da preocupação com proteção, que elevou as vendas de sabonetes e álcool em gel, as pessoas buscaram se ancorar em hábitos que já tinham e traziam sensação de bem-estar – como usar um creme, cuidar dos cabelos ou se perfumar – diante da perda total de controle sobre outros aspectos da vida na pandemia. “É um prazer que ainda está ao alcance”, afirma.
A companhia reviu o planejamento de produtos, para se adaptar ao novo momento do consumidor. Reduziu lançamentos em maquiagem – principalmente batom, que perdeu protagonismo por causa das máscaras – e direcionou os esforços comerciais para novas linhas da marca de cuidados com o corpo Nativa Spa e perfumes.
A recuperação está sendo sentida também por empresas de menor porte, como a Phisalia, que fabrica produtos para cabelo e creme dental infantis. “Percebemos que a ajuda emergencial de R$ 600 foi muito importante no Norte e Nordeste, onde nossas vendas cresceram 25% em junho”, diz Eduardo Amiralian, sócio e presidente da companhia. As vendas no país cresceram 15% em junho, sobre um ano antes. Agora, em vez de queda drástica, a expectativa até dezembro é igualar a receita de R$ 90 milhões do ano passado. (Colaborou Raquel Brandão)
Fonte: Valor Econômico 17.08.2020