Manual pós-pandemia: o que a Geração Z deseja do varejo físico
Apesar de ser a geração mais expert digitalmente, a Geração Z adora fazer compras em lojas físicas. Mas o motivo para a escolha é bem diferente do que faz consumidores mais velhos irem às compras
E isso significa mudança para as marcas. Enquanto a Geração Z talvez faça pesquisas online, eles enxergam as visitas às lojas como uma excursão social. Segundo uma pesquisa da Kearney, 80% prefere fazer compras em lojas e mais da metade prefere assim porque isso permite que eles se desconectem das redes sociais e do mundo digital por um tempo.
Ou seja, os varejistas terão que oferecer uma experiência mais completa na loja, com foco no sentimento de comunidade, ao mesmo tempo que oferecem uma seleção de produtos que agradam aos gostos dessa turma. O isolamento criado por lockdowns pandêmicos apenas reforça a necessidade de atrair esses compradores com uma nova abordagem. “Está prestes a acontecer um influxo massivo de envolvimento sensorial no varejo,” diz Ciara Larkin da Crowd DNA, a consultoria de estratégias e percepções culturais especializada na cultura jovem. “As pessoas estão procurando experiências táteis e envolventes como uma reação contra a fadiga excessiva causada pela pandemia, ao ficarem em frente a telas.”
Na verdade, 98% dos compradores da Geração Z do mundo todo disseram que costumam fazer compras numa loja algumas vezes ou na maior parte do tempo, de acordo com uma pesquisa da IBM. O número de pessoas da Geração Z que prefere comprar em lojas é o triplo em comparação com o que diz que prefere fazer o mesmo online.
Varejo como terapia
De acordo com o Índice de Solidão dos Estados Unidos de 2019, 79% da Geração Z se descreve como solitária, em comparação com 71% da Geração Y e 50% dos Boomers. Larkin acredita que as marcas precisam começar a dedicar espaços para zonas de descompressão se quiserem atrair o consumidor da Geração Z. Ela observa que esse envolvimento sensorial já está acontecendo online. Enquanto navegam no site da marca Whole World, que foca no básico, os consumidores ouvem sons do dia a dia, como alguém cortando a grama, cachorros latindo no parque e a movimentação abafada de uma cafeteria. Eles estão integrados à experiência de navegação online para criar um momento de pausa. “As marcas precisam construir esse tipo de calma meditativa na experiência de compra”, diz Larkin.
Mais foco, mais valor
Steve Ubsdell, CEO e Diretor de Criação do estúdio de design de interiores do Reino Unido, a Checkland Kindleysides, cujo portfólio de grifes inclui Hermès, Hunter e Adidas, acha que uma boa loja para a Geração Z deve ser hiperfocada. “Há um verdadeiro trabalho para as marcas identificarem em quais áreas do seu negócio as pessoas estarão realmente interessadas, colocarão seu dinheiro e ampliarão isso nos seus espaços físicos”, diz ele.
Quando questionados sobre o que procuram ao chegar na loja, três em cada quatro compradores da Geração Z disseram a Kearney que uma “experiência de loja bem selecionada e focada num número limitado de produtos” foi extremamente ou moderadamente importante a eles.
A tendência para o minimalismo nas lojas de varejo não é o suficiente para o comprador da Geração Z. “Para esses consumidores, os espaços físicos varejistas têm tudo a ver com escapar do algoritmo, a fim de ver as coisas fora de sua bolha”, explica Ubsdell. Ele diz que as marcas estão começando a se afastar das estratégias de inovação e criar em suas lojas conceitos mais modulares e flexíveis, que permitem que os pontos de contato e a arquitetura sejam configurados e desmontados com mais facilidade.
É um sentimento que ecoa em Erwan Rambourg, analista de luxo e autor do livro Future Luxe: What’s Ahead for the Business of Luxury (Luxo Futuro: O que vem por aí para o negócio de luxo, em tradução livre). “Tivemos um período no luxo em que havia muito do que se copiar em termos de aparência e comportamento das lojas,” diz ele. “A tendência era que, se você tivesse um bom conceito, você o duplicaria quantas vezes fosse possível. Mas a era pós-pandemia apresenta o risco do déjà-vu.” Detalhe: uma experiência ruim dentro da loja fez com que um quarto dos compradores da Geração Z deixassem de fazer uma compra.
Guiado pela comunidade, criado pela comunidade
Denizer Ibrahim, chefe de varejo e perspectivas futuras da Legal & General Investment Management (LGIM), que tem 4 bilhões de libras em ativos de varejo em shopping centers, parques de varejo e ruas comerciais do Reino Unido, vê as reaberturas pós-pandêmicas como um momento perfeito para renovar a experiência da marca e oferecer a oportunidade de criar surpresa. “A Geração Z está impulsionando a tendência de diversificação dos espaços de varejo.”
“Parece menos aceitável ser apenas uma matriz genérica de uma marca global… Muitos deles estão se tornando mais conscientes de seus lugares na comunidade”, diz Larkin. “Espera-se agora que as grifes façam parcerias com artistas e comunidades locais para realmente pensar sobre a função social de suas lojas.”
Parcerias e narrativas voltadas ao consumidor
Larkin diz que as marcas precisam mudar seu pensamento em torno de quem é de fato o especialista. “A maior mudança que vimos é que a Geração Z não vê uma grife como algum tipo de autoridade vertical que lhes influencia,” diz ela. “O consumidor é o especialista e ele espera que uma marca seja sua parceira, não sua instrutora.”
Rambourg acredita que as marcas de luxo precisam entender o poder do que ele chama de “micro influência” para permanecerem relevantes. “As lojas de amanhã precisam acionar memórias que estão além da abordagem transacional,” diz ele. Considerando que a indústria de luxo fala predominantemente a respeito do recrutamento dos que compram pela primeira vez, e não repetidamente, o papel das lojas continua a ser muito importante. “Se você é alguém da Geração Z comprando sua primeira bolsa de marca, você não quer que a história seja: ‘Eu naveguei num site, cliquei duas vezes e recebi o produto após 24 horas.’ Não há mágica nisso”. E qual é a principal lição ao criar uma experiência de varejo físico para atrair a Geração Z? “Crie algo emocionante,” diz Ubsdell. “A primeira coisa que um cliente vê não deve ser um manequim.”
Fonte: Vogue Globo 28.05.2021