Mapeamento das bactérias que colonizam a pele são foco da cosmética
Retinol, ácido hialurônico, ácido glicólico… Não se surpreenda ao constatar a ausência desses ativos até então queridinhos da beleza nos últimos lançamentos de skincare. Agora, uma nova categoria de produtos focados na flora bacteriana da nossa pele promete revolucionar os cuidados diários.
O atual alvo da indústria cosmética é a microbiota, a camada de bactérias que habitam a superfície da cútis – que, assim como a do intestino, tem um ecossistema próprio. O interesse começou em 2008 quando, inspirado pelo Projeto Genoma, foi iniciado o Projeto Microbioma Humano, capitaneado pelo National Institutes of Health, nos Estados Unidos. O superestudo identificou as colônias de bactérias presentes no nariz, na boca, no trato digestivo e na pele, revelando uma comunidade de 100 bilhões de micro-organismos que vivem no maior órgão do corpo humano.
O projeto teve duração de cinco anos e estimulou novas pesquisas de laboratórios das gigantes da cosmética. “Foi apartir daí que pudemos identificar e entender a interação das bactérias nesse meio”, conta Beatriz Sant’Anna, diretora de comunicação científica da divisão de cosmética ativa da L’Oréal, que participou dos estudos sobre o microbioma na La Roche-Posay, na França. A marca de dermocosméticos já incluiu uma bactéria na fórmula do hidratante Lipikar Baume AP+, que tem a função de reequilibrar e proteger a flora cutânea, diminuindo a incidência de irritações em peles sensíveis.
“Assistimos a uma revolução no universo da beleza”, diz Fabrice Lefevre, diretor de marketing e inovação de cosmética ativa da suíça Givaudan, que desenvolveu recentemente dois ingredientes que equilibram e protegem o microbioma, estimulando a renovação celular, processo que diminui com o tempo. “Antes, a ideia era erradicar as bactérias. Agora sabemos que elas não só são necessárias, como podem contribuir para uma cútis mais saudável e bonita”, diz.
No ano passado, a Dior reformulou sua linha de hidratação Hydra Life, lançando produtos dedicados ao reequilíbrio da microbiota. “Nos surpreendemos com a quantidade de informação genética presente nessa flora e com seu desempenho: ela produz moléculas essenciais ao bom funcionamento da epiderme e, em retorno, se nutre de produtos celulares cutâneos, num ciclo de vida como o da natureza”, explica Edouard Mauvais-Jarvis, diretor de comunicação científica da Dior.
Novas labels têm surgido com o foco em cuidar da microbiota: é o caso da Orveda, de Sue Y. Nabi, ex-presidente da Lancôme, que tem cremes, máscaras e séruns com ativos que fertilizam naturalmente esse microbioma; da norte-americana Mother Dirt, com culturas vivas de bactérias oxidantes de amônia, agentes restauradores do equilíbrio natural; da britânica Aurelia, uma das pioneiras do segmento, com fórmulas à base de fermento, peptídeo de leite e óleos essenciais; e da francesa Gallinée, dona de um complexo patenteado de prebióticos e probióticos, que tem a Unilever como acionista minoritária.
O maior objetivo dessa safra de produtos é manter a flora em harmonia, já que o seu desequilíbrio pode causar problemas como a dermatite atópica, a psoríase e a acne. “Mas é importante lembrar que cada um tem sua colônia de bactérias, que muda de acordo com a parte do corpo e que pode se alterar também devido a fatores externos”, explica a dermatologista Samanta Nunes, membro titular da Academia Americana de Dermatologia. Segundo ela, esfoliações agressivas e uso excessivo de sabonetes antissépticos e álcool em gel deixam a nossa barreira cutânea mais suscetível. “O impacto na rotina habitual é em relação à limpeza da pele. O excesso dela desregula a quantidade de micro-organismos, comprometendo o equilíbrio do microbioma”, completa Betina Stefanello, do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
O microbioma foi um dos assuntos-chave do Congresso Anual da Academia Americana de Dermatologia, que aconteceu no mês passado, na Califórnia. Em maio, haverá o primeiro simpósio inteiramente focado no tema, em Boston. “O desafio da indústria é continuar na identificação das bactérias e suas interações”, diz Edouard. “Ainda temos muito a descobrir”, finaliza Fabrice, da Givaudan, que acaba de anunciar um aumento no investimento para pesquisas no segmento e já começou a testar a integração de ativos que protejam o microbioma nas fórmulas de perfumes.
Fonte: Midiacon