Marketing digital exige um novo perfil de profissional
Quanto vale para uma empresa uma “curtida” no Facebook? A complexidade dessa pergunta passa pela capacitação do profissional designado para respondê-la. E essa é a dificuldade enfrentada hoje pelo mercado, não só no Brasil, mas em todo o mundo: a falta de pessoas qualificadas em marketing digital para dar as respostas exigidas pelas companhias.
Se considerarmos hipoteticamente alguém que tenha se especializado em marketing há dez ou mesmo cinco anos e que tenha congelado seus conhecimentos, esse indivíduo hoje dificilmente teria chance de obter uma colocação na área. Isso porque os meios mudaram drasticamente – e, por consequência, as mensagens também.
“As empresas líderes já compreenderam muito bem o papel da internet e seus canais de distribuição, venda e atendimento”, avalia César Cesar, diretor-executivo da unidade digital da Carvajal, consultoria de soluções de informação via internet. “Não vejo mais a probabilidade de uma empresa existir se não estiver trabalhando de forma plena esse meio. Cabe ao profissional de marketing otimizá-lo.”
Estar apto a exercer esse papel requer um leque de competências mais amplo em relação ao que estava acostumado o especialista em marketing, por assim dizer, tradicional. Cesar identifica hoje dois perfis de profissional que ainda precisam ser lapidados para produzir os resultados desejados. “Há os mais seniores, diretores na faixa dos seus 50 anos, que aprenderam tudo sobre distribuição, venda e mensagem publicitária, mas não conseguem colocar esses conhecimentos a serviço de uma nova mídia”, ressalta. “E há os analistas de marketing mais jovens que têm o conhecimento do meio, mas não a experiência necessária”, diz.
O diretor da Carvajal argumenta que é preciso fazer uma imersão nas mídias digitais para captar todas as variáveis de seu potencial mercadológico – lição de casa que não é cumprida por muitos profissionais. “Vejo colegas fazendo campanhas no Facebook sem serem usuários da plataforma”, exemplifica.
A principal diferença entre o velho marketing e o novo está na maneira de se relacionar com o cliente. “Não se trata mais de uma conversa de mão única, mas de um diálogo”, afirma Doug Schust, presidente da WSI, empresa canadense de marketing digital com franquias em mais de 80 países. O segredo para fazer a conversa fluir – e render frutos para as empresas – é engajar o consumidor nessa interação.
Schust esteve no Brasil em junho para ministrar palestras e cuidar da ampliação de seu negócio no país, que começou com um franqueado há cinco anos e já soma 25 – a meta é chegar a 200 em um período de três a cinco anos. O uso crescente de smartphones pelo brasileiro, canal que tem se tornado a grande aposta de contato das marcas com o público, é o maior deflagrador desse crescimento.
O surgimento de novas plataformas indica outro aspecto fundamental no preparo da mão de obra para enfrentar os desafios do marketing digital. “Seus princípios estão sempre em movimento”, define Marcelo Coutinho, professor de comunicação e estratégia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp) e diretor de inteligência de mercado do portal Terra. “É um ‘moving target’. Em 2002, falava-se em e-mail, banner, website. Hoje o forte são as redes sociais e os aplicativos.”
Essa dinâmica pede uma busca constante por aprendizado. “É necessário ter humildade e disponibilidade para estar constantemente se atualizando”, diz Coutinho. Isso significa estar aberto para ouvir pessoas que podem não ter um conhecimento profundo de marketing, mas sabem muito de tecnologia ou são bem-sucedidas em criar comunidades visitadas por milhões de usuários. “A atualização envolve ainda cursos de uma natureza mais rápida e estratégica”. Escolas como a própria FGV e a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) oferecem esses programas.
A predisposição para a procura incessante de conhecimento é o que Adilson Batista, presidente da agência de comunicação digital Today, chama de espírito empreendedor. Para ele, a única certeza desse novo ambiente é a mudança. “O profissional tem de estar sempre atrás de novas alternativas de negócio, do próximo movimento, da próxima tecnologia.”
Tecnologia, por sinal, é um termo chave para o marketing digital. “Vejo muitos profissionais de marketing com pouco conhecimento do uso de tecnologia e de matemática para fazer a análise dos dados que as redes sociais e buscadores como o Google trazem”, alerta Batista. “Eles deveriam saber ler essas informações e, a partir delas, tomar decisões de relacionadas a ponto de distribuição, preço e produto”. A agilidade em processos decisórios pressupõe ainda autonomia do profissional, que também precisa estar conectado diretamente à alta gestão da companhia.
Tal é o nível de integração requerido de técnicas de marketing com conhecimentos matemáticos que o presidente da Today nomeia aquela que seria a área de formação ideal para os novos tempos: matemarketing.
Assim, empresas como a agência digital Jüssi buscam pessoas “que sejam analistas de dados e que não apenas olhem números”, define o sócio-fundador Henrique Russowsky. “Não é um publicitário nem um engenheiro, é uma mistura dos dois.”
A capacidade analítica é uma competência muito valorizada para o profissional de marketing digital. Afinal, o acesso à informação está cada vez mais disponível, mas faltam pessoas dentro das empresas que desenvolvam modelos para analisar os dados e agir a partir disso. “A academia terá de oferecer algo mais robusto nesse sentido”, afirma Francisco Saraiva Junior, um dos coordenadores do GVRedes, núcleo de estudos de redes sociais da FGV-Eaesp.
Batista, da Today, afirma que apostar em cursos no exterior tem sido a solução encontrada por quem acaba conseguindo as melhores colocações no mercado. Além disso, na opinião de Saraiva, é importante que o profissional aprenda conceitos de áreas como sociologia – “que estuda redes sociais há muito tempo” – e antropologia.
Para compensar as lacunas na capacitação acadêmica, as próprias empresas se veem obrigadas a formar seus empregados. Isso ocorre, por exemplo, na Tricae, loja virtual de produtos para crianças e gestantes. “Contrato muitos engenheiros para a área de marketing”, afirma um dos CEOs da startup, Wilson Cimino. “Nós nos encarregamos de treiná-los nas partes mais qualitativas e específicas de marketing e propaganda. Pouquíssimas pessoas de marketing já migraram para o mundo on-line, e as que o fizeram têm deficiências na questão analítica”, justifica.
Se faltam profissionais devidamente qualificados, é natural que os mais preparados sejam bastante disputados – e, com isso, aumenta a remuneração média da categoria no mercado de trabalho. “A busca por um gerente de marketing digital cresceu de 30% a 40% nos últimos dois anos”, estima Zuca Palladino, gerente das divisões de marketing e varejo da empresa de recrutamento Michael Page. “O acréscimo de escopo e de responsabilidade à função fez com que o salário dobrasse. Em 2009, esse gerente ganhava na faixa de R$ 7 mil a R$ 8 mil mensais”, calcula. “Hoje, sua remuneração já está em torno de R$ 14 mil a R$ 15 mil por mês.”
Ressaltar a carga de responsabilidade – e de predicados para atendê-la – inerente à posição desse gestor contemporâneo é bastante pertinente para compreender a pouca oferta de talentos. Afinal, não basta a ele ser fluente na linguagem do meio virtual, mas continua sendo fundamental também dominar os velhos preceitos mercadológicos. “O desafio é a liderança de uma gestão estratégica integrada dos mundos on-line e off-line, sabendo as diferenças entre um e outro”, diz Palladino. “Trata-se de um executivo que consegue criar estratégias de expansão e reconhecimento da marca em todos os canais de interatividade com o consumidor.”
Essa multiplicidade de incumbências faz com que surjam cargos mais específicos na seara do marketing digital. De acordo com o gerente da Michael Page, são novas funções que trabalham particularidades da gestão. “É o caso do responsável por ‘costumer experience’, que olha para as experiências de navegação e relacionamento do cliente no mundo on-line. Outro é o gerente de ‘business performance’, que foca o retorno do investimento”, afirma Palladino.
“É um mercado de especialistas”, reforça Marina Wajnsztejn, diretora de planejamento da agência Ogilvy. Para ela, existem muitas disciplinas para começar a carreira, e é preciso que o profissional escolha uma. Isso porque tudo o que é feito em marketing tradicional já encontra um paralelo no digital, caso dos departamentos de compra de mídia e de conteúdo. “Há uma crença de que o marketing digital é quase o oposto do tradicional, mas isso não é verdade. Trata-se de uma grande fusão. Quanto mais caminham juntos, mais interessante a comunicação se torna para o consumidor”, afirma. Na opinião de Marina, “nada morreu”. “As pessoas usam tudo ao mesmo tempo, e os profissionais de marketing têm de estar atentos a esse comportamento.”
Fonte: Valor Econômico.