Quando a inovação flui com a água…
O celebrado Sociólogo polonês e radicado na Inglaterra, Zygmunt Bauman resumiu em uma frase a instabilidade dos relacionamentos humanos atuais: “Vivemos tempos ‘líquidos’, onde nada é criado para durar”. Dentro de sua visão, a maior parte das interações da sociedade moderna está caracterizada por mudanças muito rápidas, onde nada é “sólido”. No seu livro “Vida a Crédito”, mostra que distintos aspectos contemporâneos, como o culto às “celebridades”, o endividamento constante, a obsessão por segurança e mesmo a instabilidade das relações amorosas são reflexo dessa “modernidade líquida”.
Segundo Balman, no passado as pessoas mostravam confiança, uma esperança de que as mudanças trouxessem uma melhoria contínua em tudo, uma visão de progresso solidário num futuro melhor construído a cada dia. Hoje, temerosas por um ambiente em constante mudança, muitas vezes em ritmo alucinante, as pessoas se sentem assustadas e desesperançosas, olhando as constantes mudanças com ares de desconfiança e medo. Isso tudo leva ao individualismo extremo e às práticas do “cada um por si”.
Essa fluidez nos valores e essa incerteza no futuro estão refletidas nos hábitos de consumo atuais. Mais ainda, justificam a velocidade de mudança desses hábitos e preferências dos consumidores. Também indicam porque é vital manter uma rápida frequência de inovação na linha de produtos de uma empresa, para manter esses volúveis clientes sempre satisfeitos.
Um mercado que faz da inovação sua principal arma de crescimento
O setor de produtos de higiene e beleza no Brasil é reconhecidamente um dos que mais cresce no mundo. Esse mercado experimentou um avanço notável em anos recentes, acompanhando o fenômeno de inclusão social no país. Seja onde tenham surgido novos consumidores, saídos das linhas de pobreza extrema, seja onde tenha havido uma sofisticação dos padrões de consumo na ascensão de consumidores dentro da pirâmide social, o Brasil viveu (e ainda vive) um movimento de mudança na qualidade de vida de milhões de pessoas que estabeleceram novas rotinas e hábitos de consumo de forma consistente e duradoura.
Nos últimos 15 anos, cerca de 35 milhões de cidadãos foram afetados positivamente e geraram um crescimento importante na indústria e no comércio nacionais. Há mais de 15 anos o mercado de produtos de higiene e beleza apresenta crescimento anual de dois dígitos. Segundo o Euromonitor, em 2014, teve um crescimento de 11% frente ao ano anterior, movimentando mais de R$ 100 bilhões, num ano onde o PIB do Brasil cresceu apenas 0,1%.
Quando analisamos as empresas líderes do setor encontramos:
1- UNILEVER, com 11,8% de
participação
2- NATURA (11,3%)
3- GRUPO BOTICÁRIO (10,3%)
4- PROCTER & GAMBLE (9,4%)
5- L’ORÉAL (6,9%)
6- AVON (5,8%)
Interessante notar que seis companhias representam pouco mais de metade do mercado total no Brasil (55,5%), enquanto a outra metade é dividida entre mais de 700 empresas, sendo uma minoria de empresas grandes e a grande maioria de tamanhos médio ou pequeno. A característica comum a todas essas empresas é justamente o compromisso com a inovação. A velocidade de lançamentos ou relançamentos cresceu muito nessas companhias a partir do momento em que a economia veio perdendo dinamismo. Não é de se surpreender que aquelas companhias que fizeram mais movimento de renovação em seu portfólio, foram justamente as que mais cresceram no período.
Fruto de um investimento recorde em novos produtos, o Boticário aumentou seu faturamento em cerca de 16% sobre 2013, chegando a R$ 9,3 bilhões em 2014 (incluindo as franquias). A P&G fez o lançamento de novos produtos, muitos deles importados e inéditos no país, além do relançamento de várias de suas importantes marcas na região latino-americano. Ao todo moveu mais de 250 novos produtos entre 2013 e 2014. Não é de se admirar que ambas foram as empresas que mais cresceram no setor. Enquanto o Boticário passou de 6,5% em 2008 para 10,3% de Market Share em 2014, o Boticário passou de 6,9% para 9,4% de Market Share no mesmo período.
O mesmo tipo de competição se estabeleceu entre as companhias médias e pequenas, onde aquelas mais capazes de mostrar flexibilidade seguindo as tendências de preferência do consumo foram, em geral, as que tiveram melhor crescimento de participação e melhor rentabilidade. Graças aos investimentos pesados em infraestrutura produtiva e em logística (que conseguiram manter preços atrativos apesar da alta da moeda americana que impacta mais de 30% dos custos nessa Indústria) e do alto esforço devotado para manter altos níveis de inovação em produtos, o setor de higiene e beleza manteve o interesse do consumidor, que seguiu comprando ativamente mesmo durante a desaceleração da economia como um todo, talvez até por não querer deixar de consumir como nos anos anteriores e por estar impossibilitado de comprometer sua renda com bens de consumo duráveis de valores mais significativos, como automóveis e linha branca.
Realmente a Inovação é fator determinante de sucesso nesse mercado. Segundo Antonio Carlos Basilio, presidente da Abihpec, cerca de 30% do faturamento anual do setor vêm de produtos lançados a menos de dois anos no mercado.
“La Donna è mobile qual Piuma al vento, muta D’accento e di pensiero…”
Já em 1851 o grande Giuseppe Verdi nos escreve na Opera Rigoletto: “A Mulher é volúvel, como uma pluma ao vento, muda seu discurso e o seu pensamento”. Se as mulheres já eram inconstantes há mais de 150 anos, imagine-se o que acontece nos tempos atuais?
Em tempos de volatilidade “líquida”, o consumidor muda rapidamente com os estímulos que o cercam. Macroeconomia, questões ambientais, temas de responsabilidade social, avanços tecnológicos, etc. Tudo isso pode interferir profunda e rapidamente nos perfis de consumo. Em tempos assim, o desafio de acompanhar as mudanças de interesse dos consumidores é ainda mais crítico para definir o sucesso das empresas.
Um bom exemplo dessa volatilidade do consumidor está se dando com um novo contexto ligado à redução da água potável disponível em algumas das principais cidades do Brasil. Desde 2013, sofremos com falta desse precioso recurso. É certo que sua escassez se deve mais à nossa incompetência técnica e política de preservar fontes e fazer um uso mais racional dos volumes disponíveis, mas é inegável que mudanças climáticas e ambientais da cobertura vegetal na Amazônia têm afetado o tradicional ciclo das chuvas em varias áreas brasileiras, agravando o problema. Fato é que desde o final de 2014 temos enfrentado racionamento de água, o que vem afetando a vida de milhões de brasileiros. Não só as pessoas têm sido afetadas. Muitas empresas dependentes do uso de água potável para seus processos ou para resfriamento de equipamentos têm tido sérias dificuldades em conseguir esse recurso, antes abundante, e têm visto seus custos de produção aumentar importantemente. Todo esse quadro vem forçando a sociedade a buscar rapidamente as soluções que diminuam o impacto ambiental e o desconforto da ausência eventual desse bem tão necessário.
Muitas mudanças nos hábitos de consumo aconteceram por conta da escassez de água. A população, afetada tanto na disponibilidade desse recurso quanto no seu custo, vem adotando novos cuidados e medidas para evitar o desperdício. Com isso, em 2014, mais de 100 milhões de litros de água tratada foram economizados só no Estado de São Paulo. Com o agravamento das restrições, no primeiro trimestre de 2015 essa economia chegou a cerca de 30 milhões de litros. As medidas que fizeram a diferença são simples e já adotadas por países de primeiro mundo há muitas décadas. Agora chegaram na marra aos brasileiros.
Todas essas mudanças de hábito no uso da água (que aparentemente vieram para ficar) geraram contrapartidas no consumo de produtos. Produtos como sabonetes líquidos tem tido seu uso incrementado nos lares quando comparados aos sabonetes em barra (tanto pela facilidade de aplicação quanto pelo maior cuidado com a pele, evitando o ressecamento).
Segundo dados Euromonitor, a participação de barras, que chegava a cerca de 90% da categoria “banho e cuidado” em 2005, caiu para cerca de 80% em dez anos. No mesmo período, o formato “sabonete líquido e shower gel” cresceu de 5% para cerca de 10%. Segundo a ABIPLA, aumentou também a venda de desodorizadores para vasos sanitários, dada a necessidade de melhorar o conforto em situações de acúmulo de material entre as descargas. Assim, as vendas dessa categoria cresceram mais 30% em valor nos últimos dois anos. Fica claro que, em momentos de “modernidade líquida”, é fundamental ser fluído e ágil para acompanhar os desejos do consumidor e garantir a continuidade de bons resultados nos negócios.