Quando a inovação vem da espera adequada
Feliz Ano Velho
Em tempos de economia difícil, muita gente fica torcendo para que o ano passe depressa. Desejam, com isso, que o ano novo traga bons tempos com ele. Mas, na verdade, é no ano velho que se gesta o ano novo. Mais ainda, ele é fruto de nossa iniciativa. Se ficarmos escondidos esperando o momento ruim passar, só estaremos preparando um futuro de má qualidade. Além disso, não temos tempo a perder. Não precisamos esperar dezembro para começar a preparar o nosso futuro. O ano novo é sempre o amanhã e o ano velho é sempre o hoje, por pior ou melhor que ele nos pareça. Vivemos sempre o momento oportuno para estabelecer as fundações do futuro com o qual sonhamos. É exatamente aquilo que Carlos Drummond nos diz em seu poema Receita de Ano Novo: “Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”
Saber esperar pode ser uma grande virtude
Numa noite do início de maio de 2015 a Torre de Londres foi ponto de encontro de um seletíssimo grupo de menos de 50 enólogos, amantes do vinho e milionários, convidados para um leilão da Sotheby’s. O ambiente não poderia ser o mais adequado. O velho castelo, construído como uma fortaleza ao lado do rio Tâmisa, já viveu quase mil anos de história. Já serviu de residência da família real, de arsenal militar, de casa da moeda, de residência das joias da Coroa, de zoológico e até de prisão. Nessa noite em particular, serviu aos apreciadores do vinho do Porto. Uma das últimas garrafas de Porto Ferreira da safra de 1815 foi arrematada por 5 mil libras (pouco mais de 25 mil reais), dinheiro convertido em doações em prol de pacientes de esclerose lateral amiotrófica, a mesma doença que acomete o físico Stephen Hawking.
A celebrada safra de 1815 foi chamada de “Porto Waterloo”, nome da batalha que derrotou Napoleão e terminou uma guerra que consumiu muitas vidas e recursos na Europa. Em celebração, o consumo da bebida foi recorde, em especial na Inglaterra que não consumia vinhos franceses por conta do embargo e já havia escolhido a bebida portuguesa como a sua alternativa preferida havia décadas. Por isso mesmo poucas garrafas dessa safra existem ainda. A Porto Ferreira mantêm alguns exemplares guardados em suas adegas para ocasiões especiais como essa. Mas nada está à venda. Tomar um vinho assim leva a considerações filosóficas, é claro. Alguém que vai tomá-lo pode imaginar estar saboreando a história. Quanta mudança e dramas humanos foram vividos entre o fechar e o abrir de uma garrafa de 200 anos? Mas além da raridade histórica, é claro que o vinho guarda mudanças que marcam seu processo de envelhecimento. Acontece a intensificação de alguns aromas. Notas de especiaria se sobressaem, com aspectos de pimenta e gengibre tomando preponderância junto a odores e sabores de madeira. Quando o envelhecimento se dá em barris de Carvalho, muitas moléculas são extraídas da madeira pela bebida, em especial substâncias aparentadas à baunilha e a açúcares complexos, conferindo aspectos mais aveludados ao vinho. No envelhecimento dentro da garrafa bem fechada, protegida da luz e de grandes variações de temperatura, reações complexas envolvendo os açúcares, os ácidos, os compostos fenólicos, como os taninos, alteram positivamente as sensações agradáveis de textura, paladar e aroma dos vinhos (além de sua coloração, é claro).
Mesmo sabendo que um vinho pode envelhecer, se beneficiando das qualidades descritas acima, nem todos os vinhos envelhecem bem. Os cuidados com temperatura de armazenagem, com a vedação da garrafa, com a destrutiva exposição à luz, podem tornar uma safra mítica em uma garrafa de vinho avinagrado. Em especial num mundo que roda a uma velocidade vertiginosa, quem se dispõe a abrir mão do imediato para esperar? Qual o preço e o custo da espera? Quais os riscos associados ao tempo gasto na espera? Pouca gente, é verdade. Basta ver que 90% dos vinhos produzidos no mundo são consumidos em menos de um ano da sua elaboração. Se aumentarmos esse período de consumo para até 5 anos depois da fabricação, teremos mais de 95% das garrafas produzidas no mundo. Afinal, quantos iriam se dispor a pagar o valor pago no leilão por uma garrafa de vinho do Porto de 200 anos? Pode ter todas as características excepcionais sobre as quais falamos, mas ainda segue sendo uma garrafa de Vinho do Porto. E uma garrafa de Vinho do Porto da safra de anos recentes pode ser comprada numa adega qualquer por menos de R$ 100.
A espera pode levar à perfeição
Assim como o vinho bem envelhecido, os perfumistas aprenderam, desde muito tempo, os benefícios que a maceração de alguns ingredientes poderia trazer aos seus perfumes. Durante décadas, esse tema foi tratado com sigilo por casas como a Guerlain, por exemplo. Durante esse tempo, os perfumes franceses eram incomparáveis à produção perfumística de outras partes do mundo. Em uma parte específica da propriedade da família Guerlain, eram enterrados pequenos barris de carvalho selados com ceras. No seu interior, ingredientes usados para melhorar a fixação dos perfumes, em geral de origem animal, eram imersos em álcool de cereais e deixados para fazer sua lenta extração por até 20 anos.
Os barris eram desenterrados depois de anos e seu líquido extrator era usado nas afamadas criações parisienses. Formavam os macerados de civete (extratos alcoólicos das glândulas anais de um gato selvagem africano), de musk (estratos de glândulas genitais do veado almiscareiro) e outros. A diferença do uso desses macerados superconcentrados pelo tempo e transformados quimicamente durante anos, trazia mais sensualidade e durabilidade aos perfumes de Paris. O simples uso de tinturas não maturadas não se traduzia em suave fixação. Ao contrário, até trazia aspectos ditos “ásperos” ou pungentes à composição. É obvio que o avanço da ciência permitiu substituir boa parte desses ingredientes sem perdas significativas para a composição perfumística, identificando e reproduzindo sinteticamente as moléculas encontradas nesses macerados de muitos anos.
Logística da produção em escala, a conservação do meio-ambiente e o banimento de práticas cruéis contra animais favoreceram essa mudança. Mas mesmo nesse mundo de velocidade turbinada em que vivemos, companhias sérias revivem e reinterpretam técnicas clássicas como essas. é o caso do Grupo Boticário, que reviveu a técnica de Enfleurage para produzir ingredientes extraídos lenta e delicadamente das pétalas de Lírio para o Eau de Parfum “Lily”. Outro bom exemplo é a fragrância masculina Malbec. A ideia de lançar uma fragrância com nome e inspiração de uma variedade de vinho veio de uma visita de Miguel Krigsner a um vinhedo no Chile. Impressionado com os cuidados e semelhanças do processo de vinificação com a produção tradicional de perfumes, solicitou um trabalho conjunto entre seu time e a Casa de Fragrâncias IFF. Com base em entrevistas a enólogos em Mendonza na Argentina e ao trabalho de headspace cromatográfico, foi selecionada a variedade da uva Malbec para servir de base para a criação artística da fragrância. Mais ainda, Miguel importou barris de carvalho franceses de alta qualidade, usados na indústria vinícola, para fazer a maceração do álcool vinílico usado na elaboração do perfume. O processo, desenvolvido pela equipe técnica do Boticário, rendeu inclusive uma patente exclusiva. O sucesso desse lançamento foi o resultado de tamanho cuidado. A criação perfumística, criação de Napoleão Bastos, mescla notas de ameixa, especiarias e madeiras numa combinação imediatamente associada ao universo masculino. A riqueza da nota teve ampla aceitação e foi adotada por muitos consumidores como uma extensão de sua personalidade.
Em 2008, O Boticário lançou uma variante premium de Malbec: Malbec Gran Reserva. A inovação do produto era o fato de que o coração da fragrância tinha ficado armazenado por quatro anos em barris de carvalho em uma área especialmente criada na fábrica em São José dos Pinhais, no Paraná. Tal processo de envelhecimento cria um realce de notas amadeiradas e abaunilhadas, assim como nos vinhos de guarda. Traz ainda notas de tabaco e chocolate que dão forte distinção à fragrância. Esse tipo de inovação constrói um sucesso onde fica evidente o valor da espera.
Quando a inovação não pode esperar
Às vezes, o processo de inovação tem de ser implementado com rapidez para não perder oportunidades. Os anos 2000 viveram um “boom” de lançamentos. A falta de confiança nos sistemas previdenciários ao redor do mundo, a maior expectativa de vida, a permanência no mercado de trabalho por mais tempo e a busca por melhor qualidade de vida, criaram uma demanda por produtos anti-sinais. A Beiersdorf Nivea tinha uma linha de relativo sucesso já lançada no mundo e desejava estendê-la para o Brasil, um de seus mercados mais atraentes. Assim, em 2005 lançou a sua linha internacional de produtos anti-idade no Brasil: Nivea Visage Age Reverse. O produto atua no rejuvenescimento das papilas dérmicas, estruturas que abastecem a derme e a epiderme com nutrientes. O princípio de funcionamento do produto está baseado na queda do nível de estrogênio e na redução das fibras de colágeno que acontecem a partir dos 40 anos e “achatam” as papilas favorecendo a formação de rugas e da flacidez. O produto interrompe esse processo através do estímulo da produção de colágeno com a vitamina C, principal ingrediente ativo da fórmula. Apesar do produto ter efeito positivo comprovado cientificamente, um deslize na campanha transformou-se num grave problema para a Nivea no Brasil. Querendo abreviar o tempo até o lançamento, a BDF Nivea decidiu usar os mesmos “claims” da campanha europeia e americana. A propaganda do produto dizia: “o produto Nivea Visage Age Reverse rejuvenesce em dez anos a estrutura da sua pele” e “somente a Nivea para garantir essa promessa”. O CONAR, a partir de queixa de consumidor, decidiu em setembro de 2005 pela alteração da promessa expressa na publicidade do produto. No parecer, o relator expressou que, embora não haja dúvidas de que a ação do produto possa melhorar temporariamente as condições da pele, é exagerado garantir a promessa de rejuvenescimento da estrutura da pele em qualquer número de anos. Depois de todas as tramitações legais, o Ministério Público determinou que a BDF Nivea publicasse novos anúncios de contrapropaganda com a mesma dimensão, nos mesmos veículos e pelo mesmo intervalo de tempo que os usados em 2005 na promoção de lançamento da linha. Os novos anúncios foram feitos nos principais canais de TV e nas publicações da mídia impressa. Por força da Lei, tinham de dizer que “ao contrário do afirmado em publicidade anterior, o produto não pode determinar o rejuvenescimento da pele em número de anos”. Os gastos foram ruins para a marca que foi prejudicada também em sua imagem junto ao consumidor.
O risco é parte integrante da inovação
Empresas como a BDF Nivea têm a inovação em seu código genético. Às vezes, tomar a decisão de inovar pode ser custosa, como vimos. Mas temos de nos lembrar que, para cada caso de sucesso, há inúmeras tentativas que não atingem seus objetivos. Falando sobre sucesso, a Nivea segue seu caminho com lançamentos que entregam inovação e valor aos seus consumidores. Um exemplo recente é sua extensa linha de protetores solares. Assim como uma boa garrafa de vinho que envelhece protegida dos elementos, a pele deve ser protegida dos excessos solares desde a infância. Mas isso só pode ser conseguido quando pais e filhos entendem a importância dessa proteção. Pensando nisso, a BDF Nivea desenvolveu uma ação promocional muito criativa que acontece nas principais praias brasileiras durante o verão, abordando mães e seus filhos pequenos. A representante da Nivea presenteia as crianças com bonecos plásticos especialmente desenhados que ficam excessivamente bronzeados sob a luz do sol, só mostrando sua coloração saudável quando a criança aplica o protetor solar sobre a superfície do brinquedo educativo. Assim, gera um entendimento imediato nos pequenos que não relutam mais quando as cuidadosas mães lhes aplicam o mesmo protetor na pele. Com certeza, criam aí condições ideais para uma fidelização da marca e para criar uma rotina de cuidado que vai manter peles mais saudáveis, afastando o envelhecimento precoce. É só esperar alguns anos pra ver!