Simpósio conclui que legislação trava alternativas aos testes em animais
Faltam segurança jurídica e dinheiro para implementar as técnicas no país
O Brasil ainda não está pronto para avançar na ideia de substituir o uso de animais pelos chamados métodos alternativos, especialmente os que usam células humanas cultivadas em laboratório, considerados de vanguarda e usados em vários países.
Essa foi uma das conclusões do 1º Simpósio de Engenharia Tecidual, realizado no dia 15 de maio, no Rio, e que contou com representantes do governo federal, do setor industrial e da academia. O consenso é que ainda falta segurança jurídica e dinheiro para implementar as técnicas no país.
Um dos questionamentos vem da Constituição Federal. O parágrafo 4º do artigo 199 diz que é vedado todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento.
Após pressão da indústria, porém, a maré começou a mudar e a própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passou a se esforçar para não ter atuação tão distinta de outras agências reguladoras pelo mundo.
Em outros países é comum que produtos à base de células modificadas sejam comercializados.
Segundo Renata Parca, gerente da área de Sangue, Outros Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa, a coisa está mudando ao menos para os produtos com finalidade terapêutica feitos dessa forma. E isso deve ser sacramentado em uma nova regulamentação que deve sair entre 2017 e 2018.
O problema é que a boa nova, ao menos por ora, não vale para os métodos alternativos. A nova tecnologia de células modificadas e de engenharias de tecidos não é exclusivamente “terapêutica”.
Hoje existem 24 métodos alternativos aprovados no país (entre eles estão testes de toxicidade, de corrosão, de irritação, de sensibilização e de absorção pela pele), mas eles são pouco usados na prática.
Para Octavo Presgrave, coordenador do BraCVAM (Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos), o que falta para haver segurança jurídica é vontade política de entidades como o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, o Ministério da Saúde e a Anvisa –diretamente afetados pela mudança no paradigma do uso de animais.
Benefícios
Segundo a pesquisadora e defensora dos direitos dos animais Norma Labarthe, entre as motivações para pesquisadores e indústrias usarem métodos alternativos estão não só a diminuição do sofrimento dos bichos mas também o fato de que há um benefício econômico para quem dança conforme a nova música.
Isso vale para os pesquisadores, que ao estudarem tópicos “quentes”, têm mais chance de ter financiamento, e também para as empresas, que teriam uma imagem mais amigável junto ao público.
Labarthe, que é veterinária, diz que é preciso criar uma relação de confiança com o público de forma que, quando algo realmente precisar ser testado em animais, ninguém questionará sua necessidade.
Para Presgrave, boa parte do movimento que empurra o país na direção da mudança dos métodos utilizados é político, e não científico.
A francesa L’Oréal, que patrocinou o simpósio realizado no Rio (e que afirma não testar seus produtos em animais), vem ao longo dos anos desenvolvendo um modelo de pele artificial. A ideia é comercializar o aparato para outras empresas, mas o imbróglio legislativo brasileiro ainda é uma barreira.
A empresa está colaborando com o pesquisador Stevens Rehen, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, do Rio para fazer uma nova versão da pele. O objetivo é adicionar uma camada de neurônios no modelo, o que pode torná-lo mais apto a prever se um produto tem chance de provocar irritação em humanos.
Rehen tem trabalhos na área de organoides cerebrais, mostrando que essas estruturas podem ajudar a testar novas drogas para doenças neurológicas no lugar de testes em camundongos. Na mesma linha existem modelos baseados em células de fígado (hepatócitos) e do coração (cardiomiócitos), por exemplo.
Fonte: Folha de S Paulo