Maquiagem: entre o glow e o algoritmo

A maquiagem deixou de ser apenas um ritual estético. Hoje, ela é linguagem: traduz estados de espírito, vira filtro no feed e se transforma em código social.
No segmento de maquiagem, o Brasil é o sétimo maior mercado global, segundo a Euromonitor, e a categoria se reinventa a cada temporada. Contudo, a verdadeira disputa não é só por cores ou acabamentos, mas por relevância cultural. Enquanto algumas marcas focam em lançamentos em massa, o consumidor já deixou claro que quer produtos que tragam identidade, emoção e pertencimento. A base hidrata, o batom viraliza, o gloss brilha nos stories. Produto é a senha de entrada. Pertencimento é o programa de fidelidade.
Em 2024, foram mais de 2.500 novos lançamentos, segundo a Mintel. Esmaltes, bases, iluminadores e batons responderam por mais da metade das novidades. Esse volume revela um desafio: como se destacar em meio a tantas opções sem cair na repetição? Mais do que números, o consumidor busca propósito, performance e autenticidade, e é isso que transforma um simples produto em desejo. Globalmente, o mercado de maquiagem deve crescer de US$ 45,95 bilhões (2025) para US$ 70,80 bilhões (2032), um CAGR de 6,37%, segundo a Fortune Business Insight. Mas crescimento não garante relevância. O futuro pertence às marcas que traduzirem tendências em narrativas que conectem verdadeiramente.
O comportamento do consumidor escancara tensões que moldam a categoria. De um lado, a busca por naturalidade: bases leves, blushes cremosos e o efeito soft matte com viço saudável, alinhado ao forte movimento de cuidados com a pele. De outro, a ousadia das cores vibrantes ganha força, com delineadores azuis ou marsala e máscaras de cílios coloridas, substituindo o preto tradicional. A individualidade é celebrada, mas o poder viral do TikTok pode transformar o “único” em massificado em questão de horas. O consumidor quer função e experiência. O batom precisa entregar cor, hidratação e aparecer bem no feed; a base deve uniformizar, tratar a pele com ativos e proteção solar.
As estratégias de marca refletem esse movimento. Collabs são armas poderosas, mas só funcionam quando carregam símbolos reais e dialogam com o cotidiano do consumidor. Exemplos como a marcante união da Cimed com a Fini, ou a brasilidade presente na colaboração entre Quem Disse, Berenice? e Guaraná Antártica, e ainda o imaginário da Disney ao lado de Bruna Tavares. Todas mostram que maquiagem é cada vez menos sobre produto e mais sobre comunidade, pertencimento e narrativa. O risco está em usar collabs apenas como truque de marketing, sem coerência, o que rapidamente se perde no ruído da timeline.
Nas redes sociais, a categoria não só cresceu, mas é editada em tempo real. Hoje um vídeo de 15 segundos pode lançar uma tendência global e esgotar estoques em poucas horas. Nesse cenário, as marcas não competem apenas na gôndola, mas no algoritmo, onde no Brasil, 83% das mulheres mais jovens usam maquiagem facial e 43% pagariam mais por produtos que integrem skincare e maquiagem (Mintel, 2023). A categoria evoluiu, deixou de ser apenas cosmético para virar plataforma híbrida de bem-estar, autoestima e saúde.
Mas é preciso reconhecer um ponto crítico: o consumidor brasileiro é altamente conectado, mas pouco fiel. Ele experimenta, viraliza e abandona com rapidez. A fidelidade, quando existe, não está no produto, mas no ecossistema que a marca constrói. O que prende não é mais a cor do batom, mas a comunidade ao redor dele, o acesso exclusivo, a sensação de ser parte de algo maior. A verdadeira medida de sucesso não está em quantos produtos são lançados, mas em quantas histórias eles conseguem sustentar. Comunidade não se constrói em planilha, se constrói em presença, escuta e pertencimento. Quando o consumidor se vê, se sente parte e repete a emoção, é aí que o desejo vira fidelidade.
As tendências de 2025 reforçam esse cenário: pele natural e iluminada, retorno dos marrons, valorização das sardas e sobrancelhas autênticas, multifuncionalidade como regra, sustentabilidade como exigência e experiências digitais ampliando a jornada. Mas o ponto chave não é a paleta de cores, e sim como as marcas vão traduzir esses movimentos em experiências sólidas, relevantes e memoráveis.
A maquiagem hoje é muito mais que cor. É código, cultura e algoritmo. O consumidor não compra só um batom, ele busca uma narrativa para seu feed, um código de identidade e uma sensação de pertencimento. Para as marcas, o desafio é claro: transformar dados e tendências em conexões reais para conquistar este novo mercado que é tão digital quanto humano.
Por Elaine Gerchon, profissional com mais de 15 anos de experiência em estratégia, inteligência de mercado e desenvolvimento de negócios, com foco em setores como químicos e cuidados pessoais. Especialista em transformar dados em insights estratégicos, impulsionando decisões que fortalecem a competitividade e o crescimento sustentável. Com expertise em inteligência competitiva, tendências emergentes e comunicação estratégica, Elaine desenvolve soluções inovadoras para maximizar resultados e engajamento. Sua abordagem visa gerar resultados duradouros, acelerando inovação e crescimento no mercado da América do Sul.